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Um ano após primeiro fechamento, escolas dizem que pandemia acelerou mudanças

Diretores afirmam também que foi preciso flexibilizar algumas exigências feitas aos estudantes

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São Paulo

Há um ano, as quase 30 mil escolas de todo o estado de São Paulo fechavam pela primeira vez para tentar conter a transmissão do coronavírus. Nesse período, apesar das dificuldades, as adaptações feitas na forma de ensinar trouxeram transformações para a educação que devem permanecer.

Diretores de escolas centenárias da capital avaliam que o fechamento impulsionou mudanças há anos necessárias, como dar mais autonomia aos estudantes e um ensino menos conteudista, que os ajude a desenvolver outras habilidades.

Apesar do papel crucial da tecnologia nesse período, para que as aulas continuassem ocorrendo de forma remota, os diretores afirmam que as principais mudanças foram na relação dos alunos e famílias com a escola.

Depois de duas tentativas de retomadas das atividades presenciais nas escolas de São Paulo, elas chegam a esta terça (23) com o estado enfrentando o pior momento da pandemia, mais uma vez sem autorização para funcionar em alguns locais.

O governador João Doria (PSDB) autorizou a rede privada a atender os alunos mais vulneráveis, com presença de até 35%. No entanto, o prefeito Bruno Covas (PSDB) vetou o funcionamento presencial das unidades em toda a cidade.

“Nunca vi mudanças tão profundas na educação como neste último ano. A pandemia nos forçou a repensar tudo para que pudéssemos continuar perto do aluno e de forma significativa. Essa mudança vai ficar porque fortaleceu a escola”, avalia Maria Zélia Miceli, diretora dos colégios Santa Amália e educadora há 50 anos.

Letícia Lopes, 10, pediu para usar o uniforme para se sentir na sala de aula
Letícia Lopes, 10, pediu para usar o uniforme para se sentir na sala de aula - Arquivo Pessoal

Segundo ela, os colégios tiveram de abrir mão de algumas regras e normas para garantir o aprendizado e, principalmente, o engajamento dos estudantes. Foram deixadas de lado exigências como uso de uniformes, a cobrança para que os alunos se sentassem corretamente na carteira e até provas sem consulta.

“Antes, era impensável ter um aluno assistindo aula deitado ou usando pijama. Mas tivemos que ser mais flexíveis porque não dava para controlarmos essas situações e, ao longo dos meses, percebemos que eles passaram a entender sozinhos quais regras os ajudavam a aprender melhor”, diz Miceli.

Na casa da dentista Melissa Lopes, 41, as filhas, de 13 e 10 anos, assistiram aulas de pijama nos dois primeiros meses de ensino remoto. Sem que os pais ou professores pedissem, depois de algumas semanas, elas passaram a se arrumar para participar das atividades online. Letícia, a mais nova, começou a vestir o uniforme da escola.

“Ela sozinha teve a ideia de colocar o uniforme e me disse que, sem ele, não se sentia dentro da aula. É estranho porque ela nunca teve muito apego à roupa da escola, mas foi a forma como encontrou para se concentrar melhor”, conta a mãe.

Letícia também pediu aos pais para que comprem os mesmos lanchinhos que costumava levar para comer na hora do recreio. “Ela disse que queria voltar a comer a comida de lancheira, que é o suco de caixinha, os bolinhos individuais. Acho que é uma forma de lembrar de como era na escola.”

Carlos Dorlas, diretor do colégio Marista Arquidiocesano, com 113 anos de existência, destaca que são os momentos de socialização e convívio que fizeram mais falta aos alunos durante a interrupção das aulas. Por isso, diz que a tendência é de a escola ampliar esses momentos quando o retorno presencial for possível.

“Obviamente todos sabíamos da importância do lado social da escola no desenvolvimento das crianças, mas a pandemia deixou isso mais evidente e forte também para as famílias. Podemos ampliar o tempo em que elas ficam livres para brincar, como no recreio, ou permitir que passem mais tempo em outros espaços que não a sala de aula.”

São nessas áreas e momentos que as crianças mais desenvolvem habilidades socioemocionais, como empatia, resiliência, espírito colaborativo. “Elas estão ávidas para voltar a ter essas experiências, por isso acho que é importante ampliarmos essas vivências quando for possível”, diz Dorlas.

Os diretores avaliam que as escolas também ficaram mais flexíveis com as brincadeiras das crianças em sala de aula, ainda que de forma remota. Miceli lembra dos “trotes” que os alunos faziam nas atividades online, que sumiram depois de alguns meses.

“Ficamos muito preocupados no começo com a gravidade dessas brincadeiras, depois eles pararam de fazer e isso também nos preocupou. A traquinagem do jovem é saudável. Quando esses trotes voltaram, ficamos até aliviados”, conta.

É essa escola mais receptiva e acolhedora que os educadores querem que os estudantes encontrem quando as aulas presenciais forem retomadas. Para Valdenice Minatel, diretora do colégio Dante Alighieri, há anos o projeto escolar já mirava nessa direção, mas a pandemia acelerou a mudança.

“Ficar com a escola aberta dentro da casa do aluno nos empurrou para um lugar que a gente namorava, almejava. A pandemia mostrou que escola não é um laboratório de vida, ela é a própria vida. E as famílias presenciaram isso”, diz. O Dante Alighieri completou 110 anos.

Minatel diz que o colégio pode repensar o formato de avaliações, já que durante o ensino remoto os professores tiveram de procurar formas alternativas às provas sem consulta. O formato de aulas também deve passar por transformações, agora que encontraram formas de manter os alunos participativos por 45 minutos, mesmo a distância.

“Ficamos mais corajosos para enfrentar mudanças na educação. Sempre há um receio do novo, mas, dessa vez, não tivemos opção. A suspensão das aulas presenciais é terrível, mas ela pode nos trazer uma escola melhor.”

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