Justiça gaúcha blinda patrimônio da Igreja Metodista por dívidas de instituições de ensino

Decisão suspende execução de dívidas em processo que antecede recuperação judicial da Educação Metodista

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Porto Alegre

Uma decisão da Vara de Direito Empresarial, Recuperação de Empresas e Falências de Porto Alegre estendeu à associações da Igreja Metodista a blindagem sobre o patrimônio no âmbito do processo que antecede a recuperação judicial de instituições do grupo Educação Metodista.

A decisão do dia 22 de abril, do juiz Gilberto Schäfer, permite que as associações ligadas à igreja, mantenedora das instituições que enfrentam crise, possam suspender qualquer execução de dívida por um prazo de 180 dias, que pode ser renovado.



“Há que se reconhecer a importância em proteger o patrimônio daqueles que devem responder pelas dívidas, sujeitas a recuperação. É inegável ser do interesse dos devedores solidários/subsidiários continuar auxiliando para que a situação de crise seja superada”, escreve o magistrado na decisão.

O pedido de cautelar de salvaguardas econômicas, que admitiu o processamento da recuperação judicial, suspendendo cobranças contra as requerentes e determinando que instituições financeiras se abstenham de reter quaisquer valores, foi aceito pelo juiz no dia 14 de abril.


Nele, o grupo diz que o pedido para a chamada cautelar antecedente, assinado por 16 unidades educacionais do Grupo Metodista, se justifica pelo risco de colapso financeiro, que poderia inviabilizar o processo de recuperação. 



O grupo, que começou as atividades no Brasil em 1881, com a fundação do Colégio Piracicabano, tem hoje 11 colégios e 6 instituições de ensino superior espalhados por Rio Grande do Sul, São Paulo e Minas Gerais, com cerca de 3.000 funcionários e 19 mil alunos.

Seis anos atrás, a Educação Metodista contava com 51 mil alunos. O grupo diz que a queda significativa no número de estudantes começou com a mudança nas regras do Fies (Fundo de Financiamento Estudantil), em 2015, e foi agravada pelo quadro de recessão econômica dos últimos anos e pela crise aberta com a pandemia de Covid-19. A recuperação judicial foi a saída encontrada para manter as atividades. 



A dívida estimada das instituições gira em torno de R$ 500 milhões — cerca de 60% por passivo trabalhista e o restante a bancos e fornecedores.

A Igreja Metodista responde pela governança das instituições educacionais e lidera o conselho de administração da Educação Metodista. 


A decisão da semana passada torna a igreja parte do processo de recuperação, ainda que ela mesma não esteja em recuperação judicial, já que não pratica atividades econômicas, explica Luiz Roberto Ayoub, que representa o Grupo Metodista. Ayoub foi o juiz do primeiro caso de recuperação judicial no país, o caso Varig, em 2005.



“Se a igreja tiver, como está tendo, as penhoras decorrentes da Justiça do Trabalho, em condenações várias, não terá patrimônio para destinar valores para que as instituições se recuperem. As instituições dependem de alguém, esse alguém está sofrendo a todo instante com penhoras, o nosso pedido foi para estender os efeitos da suspensão por 180 dias dessas medidas contra a igreja”, afirma Ayoub, sócio do escritório Galdino & Coelho e autor da ação cautelar.


Mas para o professor Francisco Satiro, do Departamento de Direito Comercial da Faculdade de Direito da USP, a decisão da Justiça gaúcha dá à igreja benefícios não previstos na Lei de Recuperação Judicial, voltada para atender empresas.

Satiro fez parte do grupo que sugeriu mudança na lei, para que a expressão que se refere a empresários e sociedades empresárias fosse substituída por agentes econômicos, podendo englobar assim outros entes. A mudança, porém, não foi incorporada na reforma promulgada no fim de 2020.

"A recente reforma da Lei de Falência tem proporcionado situações novas e estranhas ao mercado. Exemplo disso é que o fato de se permitir, ampliando o escopo da lei, a recuperação judicial de associações sem fins lucrativos ligadas a entidades religiosas, abre a possibilidade de situações inusitadas como a 'blindagem' de igrejas via recuperação judicial", avalia ele.

O próprio juiz reconheceu o caráter excepcional de sua decisão, já que a lei não previa que outros entes pudessem de valer dela para recuperação judicial e falência, mas salientou que “em uma crise aguda como a que estamos vivendo, é inevitável que outros atores de atividade econômicas busquem o Judiciário para pleitear medidas coletivas de negociação como é a da Recuperação Judicial”.

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