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'Professores estavam comigo na pior fase da vida'; leia relato de jovem sobre educação na pandemia

Folha convidou medalhistas da Olimpíada de Língua Portuguesa para escrever sobre experiência escolar em meio à Covid

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São Paulo

No centro de disputas entre governos, professores e famílias, o fechamento abrupto das escolas deixou uma marca profunda em uma população que muitas vezes não é ouvida quando se decide sobre o tema: crianças e jovens.

Para saber o que eles têm a dizer, a Folha pediu a adolescentes com boa capacidade de expressão textos sobre suas experiências escolares em meio à pandemia de coronavírus.

Eles venceram a edição mais recente da Olimpíada de Língua Portuguesa, em 2019, na categoria crônica. À época, estavam no oitavo ano do ensino fundamental. Hoje, cursam o primeiro ano do ensino médio.

O contato com os jovens foi feito por meio do Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária), que criou o concurso em 2002 junto com o Itaú Social.

O programa envolve, além da premiação, diversos cursos de formação para educadores. A edição de 2019 teve 42 mil escolas participantes.

A Folha fez apenas correções gramaticais nos textos. Eles relatam situações similares de insegurança e incertezas, e a angústia de viver em um mundo sob a ameaça permanente de um vírus.

Refletem também a desigualdade no país, comenta Maria Aparecida Laginestra, Coordenadora Técnica da Olimpíada de Língua Portuguesa pelo Cenpec. Ainda que todos sejam estudantes da rede pública, as condições de estudo são diferentes.

Os textos falam sobre dificuldades de conexão, ou até mesmo a ausência de um único aparelho celular para assistir às aulas, apreensão diante da doença de professores e familiares e, em certos casos, sobre um descompasso com a escola. Mas apontam também para um futuro.

Para este ano, a Olimpíada terá algumas mudanças. Serão reconhecidos não os textos finais produzidos pelos alunos, mas o trabalho da turma toda a partir dos relatos do processo de elaboração dos trabalhos feitos pelos professores.

O objetivo é valorizar o trabalho coletivo e o processo de aprendizagem, diz Claudia Petri, coordenadora de Implementação Regional do Itaú Social.

Os docentes podem se inscrever pelo site escrevendoofuturo.org.br/concurso.

Leia abaixo o texto de Maria Eduarda de Moraes Silva, 16, aluna da Escola Estadual Prefeito Domingos de Souza, em Guarujá (SP).

Foto atual de Maria Eduarda de Moraes Silva, 16, medalhista da edição de 2019 da Olimpíada de Língua Portuguesa
Maria Eduarda de Moraes Silva, 16, aluna do 1º ano do ensino médio em Guarujá (SP) - Arquivo pessoal



Um ano de educação na pandemia

Há um ano e dois meses eu e outros estudantes passamos por algumas dificuldades. Não só nós, como alguns milhões de brasileiros.

Vamos rebobinar a história e ir para onde tudo começou. No dia 26 de fevereiro, iniciou-se uma nova missão, uma luta pela qual eu nunca imaginei que passaria. Para alguns comerciantes, ambulantes e autônomos, a dificuldade foi bem maior, não esquecendo de médicos e funcionários públicos que lidam com a saúde, pois sei como é difícil ver minha mãe sair pra trabalhar e não ter a certeza se ela estará bem ou se voltará contaminada por esse vírus tão silencioso.

Em relação à escola, foi muito complicado para mim e ainda é, em parte pela falta de comunicação da escola conosco. Mas compreendo o lado deles: não é fácil cuidar de vários alunos de uma só vez.

No começo de 2020, eu achava que seria algo passageiro, que nós venceríamos o vírus de uma forma rápida e eficaz. Eu veria meus amigos e meus professores. Estava morrendo de saudade deles, especialmente da professora Ana Paula, de língua portuguesa. Porém, foi tudo diferente. Minha vida virou de ponta cabeça, meus finais de semana com amigos acabaram como fumaça e meu tempo na escola também foi embora junto.

Fiquei desesperada em saber que ficaria só em casa. Aaah, que tédio. Mas tenho consciência de que foi para um bem maior. Fiquei bem perdida quando começaram as aulas online, pois era tudo meio mal informado. Em alguns dias tinha aula, em outros não.

Foi uma nova experiência como aluna, mas os professores nunca nos deixaram de lado, sempre nos auxiliando nas nossas dificuldades. Mas alguns professores adoeceram, e aí foi o xis da questão: ficamos perdidos novamente, pois não sabíamos como nos viraríamos sozinhos. Eu me senti 100% desorientada.

Foi complicado, mas passei de ano e consegui vencer essa barreira com ajuda dos meus professores, por mais que tudo estivesse um caos.

O tempo passou e dezembro chegou, pronto! 2021 seria diferente! Hoje, consigo fazer minhas atividades, provas e estudar tranquilamente (não que esteja uma situação fácil de se lidar, mas estamos conseguindo controlar), temos escala das aulas, horários e dias marcados. Hoje eu consigo estudar bem e aprender com eles, sempre estou pegando meu celular vendo as aulas e fazendo as anotações principais.

No começo de março, tive uma esperança: a escola havia feito um rodízio e iríamos pra escola. Fiquei tão feliz e, ao mesmo tempo, bem receosa, pois a doença não deixaria de estar presente no ar. Mesmo assim eu fui (com muito medo, mas fui), coloquei meu uniforme de costume e meus novos adereços: máscara e álcool em gel.

Chegando lá, vi as cadeiras separadas da forma como foi indicado. Quando meus professores chegaram na sala e vi que eles estavam bem, fiquei muito feliz e matei aquela saudade de ter aula com eles.

Hoje em dia eu vejo a importância da educação na vida de uma criança e adolescente que realmente gosta de estudar e aprender. Hoje dou muito mais valor aos meus professores, pois foram eles que não me deixaram na pior fase da minha vida e na dos outros demais alunos. Hoje meu relato é em homenagem a eles.

Hoje sei e tenho consciência de que vou ter um brilhante futuro na minha vida acadêmica tendo meus professores-amigos do meu lado. Já em relação ao futuro da minha nação, eu espero do fundo do coração que mais e mais pessoas se conscientizem: não é uma gripezinha, é um vírus. Por mais que pareça inofensivo, é uma doença e ela anda matando milhares de brasileiros. Isso me assusta! Além disso, o que mais me deixa espantada é ver que, mesmo depois de um um ano e dois meses de pandemia, alguns médicos ainda andam falando ao vento, porque alguma parte da população vive como se nada estivesse acontecendo.

Peço, em nome da nação, que a população tenha mais consciência e consideração com a sua família e a do próximo.

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