Volta parcial dos alunos leva escolas a temer exclusão de quem continua em casa

Colégios buscam estratégias para tentar garantir ensino de mesma qualidade no presencial e a distância

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São Paulo

Marco Malzone, 31, entra em sala e dá bom dia para 13 alunos sentads ali. Em seguida, inicia uma reunião online onde “encontra” outros 15 estudantes. Ele então se posiciona em frente à lousa, onde há uma câmera, e começa a aula de matemática de forma presencial e remota.

Autorizadas a receber até 35% dos alunos, escolas particulares de São Paulo buscam estratégias para garantir que quem continua estudando em casa receba ensino de mesma qualidade do oferetado presencialmente.

A transmissão ao vivo das aulas, como é feita por Malzone no colégio Pio XII, no Morumbi (zona oeste) , foi uma das alternativas encontradas. No entanto, educadores e as próprias escolas temem que esse formato prejudique os alunos remotos e não garanta a atenção necessária para quem está em sala.

Com a transmissão das aulas, o professor precisa administrar duas salas ao mesmo tempo: uma com os alunos sentados na sua frente e outra pela tela do computador.

Marco Malzone dá aula presencial e a distância ao mesmo tempo no colégio Pio XII, no Morumbi
Marco Malzone dá aula presencial e a distância ao mesmo tempo no colégio Pio XII, no Morumbi - Anizelli/ Folhapress

No colégio Pio XII, o modelo foi definido para todas as turmas do ensino fundamental ao médio. Todas as salas foram equipadas com duas câmeras e os professores usam microfone para que o áudio seja captado pelo computador.

Para garantir a participação de todos, Malzone chama intercaladamente quem está em casa e quem está em sala para responder a perguntas. “É importante convocar quem está a distância para não se sentirem excluídos, porque eles têm uma visão e uma escuta parcial da sala”, explica.

Segundo ele, o modelo tem funcionado, principalmente com os alunos mais velhos, porque se solidarizam com quem segue somente em casa e ajudam a intermediar a comunicação com o professor.

“Eles sabem como é difícil manter a concentração pelo computador, já que viveram isso no ano passado. Eles não têm conversado durante a aula para evitar ruído aos colegas e me ajudam a identificar como atender melhor quem não está na sala.”

Já para as turmas de 1º ao 5º ano do ensino fundamental, um professor auxiliar ajuda a fazer a transmissão. Assim, os dois docentes se revezam na atenção entre os alunos dos “dois ambientes”. Segundo a escola, o apoio foi necessário já que crianças menores precisam de mais estímulo e proximidade com um adulto para acompanhar as atividades.

No colégio Móbile, em Moema (zona sul), a transmissão ao vivo só ocorre a partir do 6º ano, já que havia o receio de que o modelo não desse atenção devida a nenhum dos grupos de crianças menores. Mas, mesmo para as turmas de estudantes mais velhos, todos os professores contam com a ajuda de um monitor para auxiliar na intermediação com quem está em casa.

“Entendemos que esse formato é o que mais se aproxima da aula como os alunos estavam acostumados. O ensino remoto é mais roteirizado, permite menos interação”, diz Vivian Mantovani, diretora do ensino médio da unidade.

Já o colégio Bandeirantes, na Vila Mariana (zona sul), tem entendimento diferente e não está transmitindo nenhuma das aulas presenciais. Os alunos que permanecem em casa têm atividades que foram desenvolvidas exclusivamente para o ensino remoto.

“Entendemos que pedagogicamente não faz sentido juntar as duas turmas e que a transmissão não atenderia bem nenhuma delas. A estratégia para engajar a distância é diferente do presencial, seria desgastante para os alunos e para o professor”, avalia Mayra Lora, diretora pedagógica da escola.

O receio de que a transmissão pudesse dividir a atenção dos professores também fez com que o colégio Santa Cruz, no Alto de Pinheiros, (zona oeste) decidisse oferecer as duas modalidades, online e presencial, de forma separada para a educação infantil e do 1º ao 5º ano.

A direção do colégio quis evitar que as crianças tivessem que conviver com telas e ensino online mesmo estando presencialmente na unidade. “Elas já tiveram uma experiência muito intensa com a tela, nós queríamos que a criança aproveitasse bem a convivência escolar ao estar aqui”, diz a diretora Debora Vaz.

A escola também entendeu que as crianças teriam dificuldade de manter a concentração por muitas horas assistindo a transmissão. Por isso, para os que estão em casa, há encontros online marcados com as professoras para uma aula mais curta em que ela propõe atividades desenvolvidas especificamente para o ensino a distância.

“Acreditamos que, separando os dois modelos, os professores conseguem dar mais atenção e ter uma interação de maior qualidade com as crianças do que se dividir para atender os dois grupos.”

Professores relataram, à Folha, em anonimato, que a necessidade de atender aos dois grupos têm provocado exaustão ao final das aulas. Eles dizem sentir frustração ao não conseguir dar a atenção que gostariam aos estudantes por ter que administrar o ambiente virtual e presencial ao mesmo tempo.

Eles também dizem ter receio de que os alunos em casa tenham a sensação de estar excluídos e ainda mais apartados da escola ao sentir que os colegas que estão em sala recebem uma atenção diferente.

Para a pedagoga Mônica Gardelli, que atuou na Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação, as escolas precisam avaliar, ouvindo a impressão dos professores, se o modelo de transmissão ao vivo consegue garantir a interação com os dois grupos de alunos.

Como são os docentes que têm contato direto com os alunos, se há sensação de frustração e sobrecarga para atender as diferentes necessidades, o formato não dá conta de atingir a todos.

“Não podemos deixar que os estudantes se sintam ainda mais desamparados e distantes da escola. Nesse momento, é ainda mais importante que as estratégias de ensino se adequem às necessidades nos diferentes contextos."

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