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Sob risco de apagão, dados do Inep são espinha dorsal do RUF

Instituto enfrenta trocas em cargos-chave e avaliação do ensino superior está ameaçada

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Sabine Righetti
Sabine Righetti

É jornalista, doutora em política científica e pesquisadora no Labjor-Unicamp. Fundou a Agência Bori

Desde 2012, a Folha avalia todas as universidades do país e os cursos de graduação de maior demanda nacional no RUF (Ranking Universitário Folha) tendo como ponto de partida os dados do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais), braço do MEC voltado à avaliação do ensino no país.

Na prática, o RUF é um retrato periódico e altamente detalhado do ensino superior a partir de aspectos de ensino, de pesquisa acadêmica, de inovação, de internacionalização e de percepção do mercado de trabalho. Foi publicado anualmente até ser interrompido em função da pandemia de Covid-19.

Sai do Censo da Educação Superior do Inep o número de instituições de ensino superior do país e o denominador de praticamente todos os indicadores do RUF. Para calcular a produtividade das 198 universidades brasileiras, por exemplo, é preciso considerar a quantidade de trabalhos acadêmicos em relação ao número de pesquisadores de cada instituição —dados do Inep.

Já a avaliação da qualidade do ensino no ranking considera a titulação e regime de trabalho do corpo docente de cada universidade —que também são dados do Censo da Educação Superior— e a nota média dos formados no Enade, exame de conclusão dos cursos de graduação sob o comando do Inep.

A importância dos dados do Inep no RUF deixa clara a relevância do trabalho que o instituto vem realizando —intensificado especialmente nos anos 90, a chamada "década da avaliação" no país.

Nesse período, o Inep começou a produzir sinopses estatísticas anuais que, alguns anos mais tarde, ganharam forma nos censos da educação superior e básica. Também na década de 1990 surgiram o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) e o antigo Provão, que hoje, modificado, atende pelo nome de Enade.

Pelos dados do Inep, dá para analisar cursos de graduação de maior demanda ou aspectos raciais e de gênero de alunos e de docentes. Como são recentes, dados e avaliações do instituto seguem em constante debate com acadêmicos, com técnicos e com a sociedade —como a própria Folha.

Desde o início do RUF, por exemplo, havia uma discussão com o Inep para viabilizar o cálculo de evasão dos matriculados no ensino superior do país. Ou seja: quanta gente começa um curso de graduação no país e o abandona no meio do caminho.

O Inep chegou a lançar um estudo sobre evasão escolar na educação superior avaliando o período de 2010 a 2015. Não temos, no entanto, uma evolução temporal disso e nem suas miudezas: ainda não sabemos se a taxa de desistência é maior nas universidades públicas ou privadas, em direito ou pedagogia, se aumentou com a crise econômica do país e em quais carreiras.

Esses números são bem importantes. Para ter uma ideia, a taxa de formados no total de ingressantes chega a valer quase um quinto das notas recebidas pelas universidades no ranking do jornal U.S. News dos Estados Unidos —a primeira classificação desse tipo da qual se tem notícia.

Em um momento em que o Inep deveria estar amadurecendo e aprimorando sua coleta de dados e a produção de indicadores com seu corpo técnico, como a avaliação de evasão, ainda mais importante em um contexto de pandemia, o instituto se ocupa com sua própria sobrevivência. Enfrenta esvaziamentos, demissões e debandadas.

Servidores técnicos do Inep, que por muitos anos foram interlocutores do RUF, hoje assinam carta pública —de maneira inédita— defendendo que o órgão tenha o básico: estrutura de gestão escolhida com critérios técnicos.

Esse movimento começou em março, quando o economista Danilo Dupas Ribeiro assumiu a presidência do instituto e promoveu uma dança de cadeiras. A título de exemplo, a avaliação da educação básica, responsável pelo Enem, passou para o comando de um coronel-aviador, Alexandre Gomes da Silva, que é piloto e investigador de acidentes aéreos.

Há temor de apagão de dados —que ainda estavam se consolidando— e de manipulação de agendas. Na educação superior, fala-se, por exemplo, em risco de flexibilização das autorizações de novos cursos de graduação e das avaliações das instituições de ensino superior em funcionamento.

O próprio Enade está ameaçado. Interrompido em 2020 por causa da pandemia, o exame terá de ser reformulado e de avaliar, neste ano, o dobro de carreiras —com gargalos de planejamento e insuficiência de servidores especializados.

Dados e avaliações, apesar de limitadas na sua essência, trazem um retrato fundamental para orientar políticas públicas. Estávamos começando a enxergar o ensino no Brasil de maneira mais nítida. É inaceitável, agora, voltar a ser míope.

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