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Suicídio de três estudantes nos últimos dois meses acende alerta na USP

Casos aconteceram na graduação da FFLCH; estudantes e professores pedem medidas de acolhimento social, financeiro e pedagógico

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São Paulo

O suicídio de três estudantes da USP nos últimos dois meses acendeu alerta para que a instituição reforce ações de apoio aos seus quase 60 mil alunos, incluindo cuidados com a saúde mental e medidas de acolhimento social, financeiro e pedagógico.

Os três casos foram registrados entre alunos de graduação da FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas).

“É impossível saber o que levou esses jovens a medidas tão extremas para acabar com o sofrimento que sentiam. A pandemia pode ter sido uma situação catalisadora para problemas anteriores e estamos preocupados com a repercussão que esses casos podem ter”, disse Paulo Martins, diretor da FFLCH.

Cartaz de papel craft marron pendurado do primeiro andar da faculdade de ciências sociais da USP mostra, em letras coloridas pintadas com tinta guache, uma lista de serviços de saúde mental e prevenção ao suicídio disponíveis gratuitamente para estudantes
Cartaz pendurado na FFLCH, com indicação de serviços de saúde mental, em 2018 após registro de casos de suicídio - Bianka Vieira/Folhapress

A faculdade estuda formas de colocar em prática três ações nas próximas semanas: a ampliação de atendimentos no ESM (Escritório de Saúde Mental), a criação de uma espécie de CVV (Centro de Valorização da Vida) próprio da unidade e uma pesquisa sobre saúde mental dos alunos.

“Sabemos que não há uma ação imediata, mas estamos empenhados em buscar formas de dar o apoio que os alunos precisam. Eles não estão sozinhos, somos uma comunidade. Precisamos ser mais assertivos nesse cuidado”, afirmou o diretor.

Em 2018, a USP enfrentou problema semelhante, com o registro de quatro casos de suicídio em dois meses. Na época, o Escritório de Saúde Mental começou a atender os estudantes. Até então, esse tipo de atendimento só ocorria por iniciativa própria de algumas faculdades.

Apenas de janeiro a maio deste ano, o escritório atendeu 450 alunos —quase o dobro do total de pessoas atendidas (276) em todo o ano de 2020. A universidade ressalta que o aumento deve ser interpretado com cautela, já que pode ser resultado de uma mudança no formato de divulgação das atividades.

Um dos casos de suicídio ocorreu com um jovem que recebia atendimento do escritório desde 2019. Andrés Antúnez, coordenador do ESM, destaca que foi a única ocorrência do tipo entre os mais de 800 alunos atendidos nos últimos três anos.

“Uma situação de morte como essa sempre nos leva a refletir sobre a nossa responsabilidade, mas não podemos caçar culpados. Atentar contra a própria vida é um ato muito complexo, multifatorial”, ressalta.

Ele também avalia que a pandemia trouxe novos desafios emocionais aos estudantes e pode ter aprofundado problemas anteriores. Por isso, diz que é importante pensar em novas medidas de apoio.

Antes as principais angústias relatadas pelos estudantes eram a pressão por notas, a carga horária e a relação com colegas e professores. Nos últimos meses, o sofrimento foi aprofundado pelo medo da pandemia, a perda de parentes e amigos, as dificuldades financeiras e a desesperança.

O suicídio envolvendo um estudante negro também levou um grupo de professores a questionar como as políticas antirracismo e a diversidade étnico-racial têm sido tratadas dentro da instituição.

O grupo de docentes publicou um manifesto nesta quarta (2) para que a USP adote imediatamente ações de combate ao racismo estrutural. No documento, eles afirmam ter feito inúmeros avisos, pedidos e denúncias de racismo, mas que nunca tiveram as demandas atendidas.

“A USP não pode achar que inclusão se faz com números. É preciso agir para combater o racismo que existe dentro dela. Nós, professores negros, decidimos que vamos partir para a ação. Não vamos deixar que, depois dessa tragédia, a universidade continue imóvel”, diz Adriana Alves, professora do Instituto de Geociência.

Os docentes demandam a criação de um escritório para propor e gerenciar pautas relativas à diversidade, inclusão e antirracismo; um serviço de assistência social com especialistas engajados ao tema das discriminações; inclusão da diversidade como critério de mérito nas bancas de contratação, avaliação de projetos de pesquisa e demais atividades.

A USP resistiu a incorporar em seu vestibular as cotas raciais e foi a última das principais universidades públicas do país a adotá-las. Nos últimos dez anos, a proporção de ingressantes negros ou indígenas passou de 5% para 27,4%.

Outra demanda considerada urgente é o incremento e a melhoria das políticas de permanência, alimentação e moradia.

Estudantes que moram no Crusp (Conjunto Residencial da USP) há anos denunciam as más condições das instalações do local e dizem que, com a pandemia e o isolamento social, os problemas se agravaram.

“Antes nós tínhamos uma vida social, podíamos sair do Crusp e passar o dia em um ambiente mais saudável. Agora, estamos confinados em um local sem estrutura, inadequado”, conta Carina Matheus, 30, aluna do curso de pedagogia.

Ela diz ter percebido o aumento do adoecimento mental dos moradores, o que gera um clima de desamparo. A própria estudante relata que teve crises de pânico e depressão no fim do ano passado. “No mês passado, duas pessoas do meu bloco tiveram surtos e nós precisamos socorrê-los. Não podemos normalizar esse sofrimento emocional.”

Gerson Tomanari, superintendente de Assistência Social da USP, anunciou que deu início ao processo de licitação de reforma do Crusp. Segundo ele, essa será a primeira reforma estrutural das instalações desde que foram criadas. O prazo para início e conclusão das obras não foi informado.

“Há um esforço enorme da universidade para promover melhores condições financeiras e de apoio aos estudantes. Absorvemos uma função que deveria ser do estado por entender que precisamos cuidar da nossa comunidade”, disse Tomanari.

Serviço

Sinais de alerta

  • Falar sobre querer morrer, não ter propósito, ser um peso para os outros ou estar se sentindo preso ou sofrendo dor insuportável
  • Procurar formas de se matar na internet
  • Consumir mais álcool ou drogas
  • Agir de modo ansioso, agitado ou irresponsável
  • Dormir muito ou pouco
  • Sentimento de isolamento
  • Falar sobre vingança
  • Ter alterações de humor extremas

O que fazer

  • Se puder, não deixe a pessoa sozinha
  • Tire de perto armas de fogo, álcool, drogas ou objetos cortantes
  • Leve a pessoa para uma assistência especializada
  • Ligue para canais de ajuda

188
é o telefone do Centro de Valorização da Vida (CVV). Também é possível receber apoio emocional via internet (www.cvv.org.br), email, chat e Skype 24 horas por dia

Atendimento gratuito

Escritório de Saúde Mental da USP

Mapa da Saúde Mental

Psicanálise na Praça Roosevelt, de São Paulo
Atendimentos aos sábados, das 11h às 14h

Psicanálise na Rua, de Brasília
Contato: facebook.com/psinarua
Para moradores do DF e entorno; atendimentos às sextas, das 16h30 às 18h30, e aos sábados, 10h às 12h

Psicanálise na Praça, de Porto Alegre
Atendimentos aos sábados, das 11h às 14h

Psicanálise de Rua, de São Carlos (SP)
Atendimentos aos sábados, das 11h às 14h, para pessoas da região de São Carlos

Grupo bate-papo, de Brasília
Atendimentos: terças, às 13h; quartas, às 10h e às 14h; sextas, às 10h

Varandas Terapêuticas – Instituto Gerar
Contato: tel. (11) 3032-6905 e (11) 97338-3974
Atendimentos: mediante agendamento
Pagamento voluntário

EscutAto - Instituto de Psicologia da USP (IPUSP)
Atendimentos: mediante agendamento

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