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Alunos pobres e pretos são mais afetados emocionalmente na pandemia, diz Datafolha

Meninas também têm sentido com maior intensidade impactos como nervosismo, tristeza e medo

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Brasília

A interrupção de aulas na pandemia afetou emocionalmente praticamente todas as crianças e os jovens de escolas públicas, mas o efeito foi maior entre os mais pobres e pretos. As meninas também têm sentido os impactos com maior intensidade.

Os dados estão em uma nova pesquisa Datafolha encomendada pela Fundação Lemann e Instituto Natura. O foco da rodada foi saber onde e como estão as crianças e os adolescentes enquanto as escolas ficam fechadas.

Para entender se a distância da escola tem afetado a saúde mental e comportamentos das crianças e adolescentes, os pesquisadores perguntaram se os estudantes ficaram mais nervosos, tristes, agitados ou com mais medo, entre outros pontos.

A lista foi elaborada a partir da consulta com especialistas e a metodologias consagradas sobre o tema.

Nas famílias com menor renda, 95% tiveram pelo menos algum dos sintomas. O índice foi menor nas famílias com maior renda, de 83%.

Foram ouvidos 1.315 responsáveis, representando 2.151 crianças e jovens de 4 a 18 anos matriculados na rede pública ou fora da escola. Também foram consultados 218 jovens entre 10 e 15 anos.

As entrevistas ocorreram de 16 de junho a 7 de julho e os resultados têm abrangência nacional (com margem de erro que varia de 2 a 7 pontos percentuais para mais ou menos).

Mais da metade dos estudantes ganharam peso, 45% ficaram mais agitados, 44% mais tristes e 40% mais nervosos.

As meninas enfrentaram mais problemas na pandemia: ganharam mais peso, dormem mais, ficaram mais tristes, quietas, nervosas e com mais medo do que os meninos.

O único quesito em que os meninos superam as meninas é na perda de interesse pela escola. No geral, mais de um terço dos estudantes perderam esse interesse: chega a 38% para os meninos e fica em 30% para as meninas.

Os responsáveis pela pesquisa interpretam os dados específicos como uma associação ao momento atual do ensino, preponderantemente de forma remota, uma vez que 75% das crianças de 10 a 15 anos dizem sentir falta de estudar e de aulas específicas e 60%, do convívio social e dos amigos.

Entre estudantes pretos, quase todos os indicadores são superiores (com exceção do ganho de peso). A maior diferença entre pretos e brancos é no nervosismo e na dificuldade de dormir.

Enquanto 36% dos estudantes brancos indicam estarem mais nervosos, o índice é de 46% entre pretos. Dois em cada três estudantes brancos relatam maior dificuldade para dormir, proporção que chega a três a cada dez entre os pretos.

Todos os indicadores de saúde mental e comportamento são desfavoráveis para os mais pobres.

Na pergunta sobre se crianças e adolescentes ficaram mais quietos, responderam afirmativamente 27% das famílias com renda de mais de 5 salários mínimos. O percentual bate 45% no grupo com ganhos de até 2 salários.

Segundo a diretora de projetos da Fundação Lemann, Daniela Caldeirinha, os dados chamam atenção para as desigualdades, mas também demonstram como os impactos têm sido vividos de modo genérico.

"As famílias que estão em escola pública não são um grupo heterogêneo, mas as questões ligadas ao comportamento estão presentes em toda amostra", diz.

"O que vai fazer mais diferença no retorno será o acolhimento. Será um grande desafio porque os gestores e professores são pessoas que também viveram dramas grandes na pandemia", afirma Caldeirinha.

O psicólogo Rubens Bias coordena o Projeto de Escuta e Acolhimento no Distrito Federal, um coletivo de profissionais que atua desde 2018 e, na pandemia, tem se mobilizado com maior intensidade no diálogo com as escolas.

Segundo ele, a pandemia reforçou como os aspectos sociais influenciam a saúde mental e a necessidade de políticas públicas direcionadas.

"Chama atenção o quanto pobres e negros sentiram um impacto maior, o que tem a ver com o quanto que as ​pessoas com dinheiro conseguem estruturar suas redes de cuidado e proteção", diz. "É fundamental que a sociedade exija investimentos, com fortalecimento de centros de atendimento e ações nas escolas."

A pandemia e a interrupção de aulas impactaram a perspectiva futura das crianças e jovens: 66% afirmam que terão o futuro pouco ou muito prejudicado por causa do efeitos da crise sanitária.

Somente 3% não estão matriculados. Quase 7 em cada 10 dos matriculados convivem com escolas fechadas e, entre os 34% que relatam a reabertura, menos de um terço teve apenas aulas presenciais —os estudantes que acompanham aulas online ficam em média 2h53 conectados.

Rodada anterior da pesquisa Datafolha, de junho, mostrou que a proporção de alunos pobres que tiveram acesso à reabertura de escolas era menor que a metade da registrada entre aqueles com maior renda.

Esse levantamento foi encomendado pela Lemann, Itaú Social e BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento).

As escolas começaram a fechar em março de 2020 e o ano letivo avançou com apostas no ensino remoto, prejudicado por problemas de conectividade. A maioria dos estados planeja o retorno presencial para agosto, mesmo que de forma escalonada, como a Folha mostrou na semana passada.

Com a necessidade de ficar em casa, cerca de quatro em cada dez estudantes passaram a ver TV ou jogar videogame com mais frequência após a pandemia. Os dados mostram que 74% ajudam nas tarefas de casa e 6% trabalham.

Garantir a alimentação saudável durante o fechamento das escolas foi uma das maiores preocupações entre especialistas. A pesquisa mostra que 34% das famílias afirmam que a quantidade de comida para sua família foi menos do que a suficiente.

Esse percentual chega a 46% no Nordeste e entre pretos. "Sabemos que o ganho de peso, que aparece na pesquisa, tem relação com a qualidade da alimentação", diz Caldeirinha.

A merenda escolar, que conta com cuidados nutricionais, é essencial para muitas famílias. Segundo o Datafolha, 41% receberam ajuda do governo ou da escola na compra de alimentos.

Uma das perguntas foi sobre qual era o sonho das crianças e jovens. Mesmo sem alternativas estipuladas, 17% das crianças e jovens relataram um sonho simples: que a pandemia acabe.

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