Censura à imprensa fragiliza a democracia

Acesso à informação de interesse público precisa ser defendido por toda a sociedade

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Patricia Blanco

Presidente-executiva do Instituto Palavra Aberta

São Paulo

"É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença." Essa garantia está na Constituição Federal (inciso IX do Art. 5o) e equivale a dizer que a censura é ilegítima no Brasil. No entanto, apesar desse e de outros preceitos legais, a imprensa brasileira, cujo dever é publicar informações de interesse público, tem sido censurada de forma recorrente por decisões judiciais.

Nos casos mais recentes, sentenças proferidas por diferentes varas e tribunais censuraram reportagens do jornal O Globo, da revista Piauí e da RBS TV. Pior: a publicação mensal e a emissora de televisão foram alvo de absurdas censuras prévias.

Em outra situação não tão distante, a Justiça do Espírito Santo chegou ao cúmulo de censurar o trabalho jornalístico de verificação de fatos, um dos antídotos à desinformação espalhada nas redes sociais.

A decisão judicial determinou a retirada do ar de uma checagem realizada pelo Projeto Comprova, uma coalizão de 28 veículos para verificação de desinformação nas redes sociais coordenada pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji).

Em geral, é verdade, a Justiça brasileira se mostra favorável ao Estado de Direito e à liberdade de expressão no Brasil. Na sua maioria, as decisões judiciais que censuram organizações noticiosas são de magistrados de instâncias inferiores e acabam reformadas em alçadas superiores, em particular pelo Supremo Tribunal Federal (STF) que, sob este aspecto, tem correspondido à sua missão de fazer valer a Constituição.

Infelizmente, isso não impede os danos causados pelas sentenças cada vez mais frequentes de censura, que fragilizam a liberdade de imprensa e o direito do livre acesso à informação, ameaçando os princípios democráticos.

Mesmo quando a arbitrariedade é revista ou sanada, frequentemente depois de meses ou anos, o dano causado ao interesse público é irreversível, pois é evidente que a atualidade é um dos chamados valores da notícia e uma informação sonegada aos cidadãos, quando liberada, já perdeu muito de sua relevância. Isso, aliás, é por vezes o objetivo do proponente desse tipo de ação: sabe que a perderá, mas quando a decisão final vier a público, o impacto da notícia será menor ou insignificante.

É importante observar ainda que os cerceamentos à imprensa ocorrem em um momento no qual há também maior cerco ao discurso de ódio e à desinformação – sobretudo aqueles conteúdos que, na prática, são criminosos. No entanto, esse tipo de iniciativa, que evita a propagação de conceitos antidemocráticos e a destruição de reputações por meio de linchamentos virtuais, não pode ser usada para sustentar a censura à livre expressão, conforme define a nossa Constituição.

Essa propositada confusão rompe com o princípio elementar de que toda a liberdade deve ser responsável – como é o caso da imprensa – e, também, responder pelas consequências de seu exercício. Essa manipulação do debate público ameaça as liberdades no Brasil e exige a insistente renovação e a democratização do debate sobre quais são os princípios constitucionais que impedem a censura, fortalecendo a liberdade de expressão acompanhada da responsabilidade.

Os magistrados têm de seguir e respeitar as leis e a Carta Magna. Dentre os ministros do STF, um deles demonstrou notável coerência na defesa do primado da Liberdade de Imprensa/Expressão. Trata-se do ministro Celso de Mello, aposentado em 2020. O magistrado, que por sua atuação recebeu o Prêmio ANJ de Liberdade de Imprensa em 2019, da Associação Nacional de Jornais, sistematicamente proferiu decisões eruditas e inflexíveis.

"A censura, qualquer tipo de censura, mesmo aquela ordenada pelo Poder Judiciário, mostra-se prática ilegítima, autocrática e essencialmente incompatível com o regime das liberdades fundamentais consagrado pela Constituição da República. A prática da censura, inclusive da censura judicial, além de intolerável, constitui verdadeira perversão da ética do Direito e traduz, na concreção do seu alcance, inquestionável subversão da própria ideia democrática que anima e ilumina as instituições da República", disse Mello ao comentar as recentes censuras ao jornal O Globo, à revista Piauí e à RBS TV.

É preciso reforçar que o entendimento da liberdade de imprensa como pilar democrático deve partir não só do cenário jurídico mas dos cidadãos também, e não apenas da sociedade civil organizada. Uma população midiaticamente educada compreende o valor da informação de interesse público e sabe identificar arbitrariedades que impactam diretamente a sua vida individual e coletiva.

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