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Ação afirmativa dobra chance de ex-cotista em direito passar na OAB

Estudo foi feito na UERJ; na UFBA, pesquisa mostra que cotistas recuperam notas com menos matérias no início do curso

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São Paulo

A adoção das cotas em universidades públicas gerou duas preocupações iniciais: que os beneficiários não superassem as falhas de formação herdadas do ensino básico e que os estudantes que perdessem as vagas por causa da política sofressem prejuízos muito grandes.

Os resultados das pesquisas conhecidas hoje indicam que esse balanço negativo não se concretizou até aqui.

As economistas Ana Trindade Ribeiro, doutoranda na Universidade Stanford (EUA), e Fernanda Estevan, da Fundação Getulio Vargas, analisaram dados de candidatos ao vestibular de direito da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), uma das primeiras a adotar cotas no país.

Fachada da Uerj
Campus da Uerj no bairro da Urca, no Rio de Janeiro - Adriano Vizoni - 16.ago.2017/Folhapress

Elas descobriram que os alunos que deixaram de entrar por pouco em consequência das cotas tiveram desempenho acadêmico e laboral similar ao dos não cotistas que ingressaram por uma pequena margem.

"Eles provavelmente conseguiram se graduar em outra boa instituição de ensino superior", diz Estevan. O estudo ainda não foi publicado.

A pesquisadora alerta que esse resultado pode ter mudado à medida que os programas de cotas se tornaram mais comuns —entre 2006 e 2011, período analisado, a Uerj era a única universidade fluminense com reserva de vagas.

Mas ela também pondera que o impacto das cotas sobre a inclusão social no ensino superior foi enorme: sem a política, apenas 2% dos cotistas de direito teriam ingressado na Uerj.

O estudo revela ainda que a chance de os beneficiários aprovados com nota próxima à de corte terem concluído a graduação nove anos após o exame de entrada é de 79%.

O percentual é inferior aos 89% alcançados pelos não cotistas que foram admitidos por uma pequena margem, mas maior que os 63% verificados entre os candidatos à ação afirmativa que deixaram de entrar por pouco.

A carreira de direito oferece um bom campo para a análise da aprendizagem durante a graduação por causa do exame da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), obrigatório para a atuação na área.

O estudo concluiu que alunos com características socioeconômicas e habilidades similares têm probabilidades muito distintas de passar no exame da ordem dependendo de terem sido beneficiários da ação afirmativa da Uerj ou não.

Entre os ex-cotistas da universidade, essa chance é de 58%, quase o dobro da registrada entre aqueles cujo resultado no vestibular da universidade estadual ficou próximo, porém abaixo da nota de corte.

Outros estudos mostram que os beneficiários de ações afirmativas fazem um grande esforço e usam estratégias para compensar eventuais falhas anteriores em sua formação.

Um trabalho dos economistas Rodrigo Oliveira, Alei Santos e Edson Severnini identificou, por exemplo, que alunos cotistas que não entrariam na UFBA sem a reserva de vagas conseguem recuperar a diferença inicial de desempenho em relação aos demais com um método que inclui o número de matérias cursadas.

Eles, em regra, fazem menos créditos nos dois primeiros anos da faculdade, provavelmente para alcançar os demais, e pegam mais aulas nos anos seguintes.

Se o temor de que as cotas levassem à formação de alunos despreparados e causasse prejuízos enormes aos estudantes "deslocados" por elas pode ter sido exagerado, as evidências de que o ensino superior de qualidade, às vezes, é insuficiente para que grupos desfavorecidos superem barreiras no mercado de trabalho preocupam.

O Ifer (Índice Folha de Equilíbrio Racial), elaborado pelos economistas Sergio Firpo, Michael França e Alysson Portella, mostra que a presença de negros em estratos de elite —como a população com ensino superior completo e alta renda— tem aumentado, mas em ritmos que variam muito país afora.

O Rio de Janeiro, onde Ribeiro e Estevan identificaram grande diferença salarial entre ex-cotistas e demais graduados, é um dos estados que menos avançou na redução do hiato entre negros e brancos. Já o Distrito Federal e a Bahia, onde ex-beneficiários de carreiras disputadas parecem ir bem no mercado de trabalho, estão entre as unidades da Federação que mais progrediram.

Aluna cotista de engenharia de produção da Uerj, no Rio, Caroline Borret, 24, conta que passou a ser mais seletiva nas buscas por estágio depois de perceber que foi alvo de discriminação velada em duas empresas por onde passou.

"Estou muito feliz no meu estágio atual na Passei Direto [startup na área de educação], porque aqui a preocupação com a diversidade é muito grande", diz.

Caroline Borret, aluna cotista de engenharia de produção da UERJ, negra e de cabelo curto, sorri
Caroline Borret, aluna cotista de engenharia de produção da Uerj - Arquivo pessoal

Primeira presidente negra do Centro Acadêmico XI de Agosto, na Faculdade de Direito da USP, Leticia Chagas diz que a própria falta de diversidade no mercado pode deixar os negros pouco à vontade, limitando sua ascensão profissional.

Outra barreira, importante na área do direito, é a exigência de muitos empregadores do domínio de inglês, que deixa estudantes de escola pública muitas vezes em desvantagem.

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