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Alvo de desmonte na gestão Bolsonaro, Inep ganhou papel central em FHC e Lula

Além de cuidar do Enem, instituto faz avaliações do ensino básico ao superior e é responsável pelos dados educacionais no país

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São Paulo

Alvo de desmonte pelo governo Bolsonaro, o Inep (Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais) tem papel central nas políticas educacionais formuladas após a redemocratização e, a depender da extensão do estrago, seu esvaziamento pode comprometer muito mais do que a realização do Enem —o que evidentemente já seria muito.

Longe de ser um órgão meramente acessório do Ministério da Educação (MEC), o Inep realiza ações fundamentais para os programas da pasta. Tal característica o diferencia de outros institutos governamentais de pesquisa, como o Ipea, muitas vezes ignorados na elaboração de políticas públicas.

Com um corpo de técnicos qualificados, muitos com doutorado em instituições de ensino superior de prestígio, o Inep realiza pesquisas, aplica avaliações do ensino básico ao superior e produz uma quantidade impressionante de dados sobre o sistema educacional.

O ministro da Educação, Milton Ribeiro, durante evento na sede do Inep, em Brasília
O ministro da Educação, Milton Ribeiro, durante evento na sede do Inep, em Brasília - Pedro Ladeira - 15.set.20/Folhapress

Criado em 1937, o órgão ganhou maior protagonismo nos governos FHC e Lula.

Na gestão do tucano, com o MEC sob a liderança de Paulo Renato Souza, o Inep foi reestruturado e passou a fazer o que é considerado até hoje o principal termômetro de qualidade da educação.

O Saeb, que avalia alunos do ensino fundamental e médio, já existia, mas só a partir de 1995 passou a usar uma metodologia que permite a comparação entre uma edição e outra —tornando possível, assim, dizer se a aprendizagem evoluiu ou não de um ano para outro, por exemplo.

Além de avaliações de diagnóstico, como essas, ganharam evidência no período também exames ligados à regulação, como o Provão, que avaliava instituições de ensino superior e foi substituído pelo Enade.

Em 1998, surgiu o Enem, em escala consideravelmente menor que a de hoje, ainda com propósito principal de avaliação e não como processo seletivo.

A partir do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), contrariando a resistência de parte da esquerda a avaliações de larga escala, o então ministro Fernando Haddad colocou os exames e dados coletados pelo órgão no centro de sua gestão.

Foi com o economista e professor da USP Reynaldo Fernandes na presidência do Inep que ele que criou o Ideb, escala de simples compreensão para medir a qualidade da educação em cada escola, estado e município do país, com metas para cada um.

Para tornar isso possível e também evitar fraudes nas transferências do Fundeb, os censos realizados pelo instituto ganharam uma precisão maior, o que elevou a outro patamar as pesquisas educacionais. Cada aluno passou a ser registrado no censo com um código único que o acompanha por toda a vida escolar.

Dessa forma, enquanto ele está no sistema educacional é possível saber, respeitando-se as regras de proteção de dados, sua trajetória com um nível volumoso de detalhes: se foi aprovado ou reprovado, se adquiriu alguma deficiência, se mudou de cidade, se a sua escola tem quadra esportiva ou sistema de esgoto etc.

Cruzando-se com dados de avaliações, tem-se uma possibilidade imensa de elaboração de políticas públicas com evidências sólidas. Se isso é de fato feito ou não no país, já é outra história.

Foi também na gestão Haddad que o Enem foi reformulado e, gradualmente, tornou-se a principal forma de acesso ao ensino superior no país —da mesma forma que os problemas ligados ao exame, como o roubo na gráfica em 2009, ganharam mais relevância.

No governo Dilma Rousseff (PT), por sua vez, a mesma instabilidade que marcou a gestão federal como um todo se refletiu de certa forma no Inep, que teve alta rotatividade de presidentes. Ainda assim, consolidou-se a mudança para nova sede, com mais estrutura para o novo papel do instituto.

No governo Michel Temer (MDB), Maria Inês Fini, que havia atuado na criação do Enem, assumiu e reformulou as matrizes do Saeb.

Se, como visto, ministros fortes tendem a ter Inep forte, não causa surpresa o que acontece no governo Bolsonaro, que alardeou uma agenda ideológica na educação e não só quase nada implantou de fato em termos de políticas públicas como desmobilizou parte do que havia.

Que mais de 30 servidores tenham aberto mão de cargos de confiança e, em consequência, de parte de seus vencimentos em reação à atual gestão é uma mostra da dimensão do desmonte.

Diante da importância que ganhou ao longo de duas décadas, o instituto hoje está entranhado no sistema educacional. Sem ele, não se sabe precisamente quantos alunos existem (e quanto os estados devem receber de repasses), o quanto as crianças aprendem, quais universidades têm condições de funcionar, quais estrangeiros têm proficiência em português suficiente para trabalhar nem quais jovens e adultos podem receber certificados de ensino médio.

Eventual colapso do Inep abalaria também tudo isso, não bastasse a absurda insegurança que gera em milhões de candidatos ao Enem às vésperas do exame.

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