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Abalo na avaliação da Capes afeta espinha dorsal da pós-graduação no país

MEC deveria analisar os problemas da educação em vez de tentar silenciar os resultados

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Sabine Righetti
Sabine Righetti

É pesquisadora da Unicamp e coordenou o RUF do seu lançamento até 2019

A autorização judicial para que a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) retome a avaliação dos programas de pós-graduação do país até disfarça, mas não altera o desmonte que a instituição tem sofrido.

Na prática, pela nova determinação da Justiça, os resultados da avaliação quadrienal da agência não poderão mais ser divulgados. Isso impacta toda a pós-graduação do país, que tem se desenvolvido há décadas ao redor de um sistema de notas.

O ministro da Educação, Milton Ribeiro, o presidente Jair Bolsonaro e a presidente da Capes, Claudia Mansani Queda de Toledo
O ministro da Educação, Milton Ribeiro, o presidente Jair Bolsonaro e a presidente da Capes, Claudia Mansani Queda de Toledo - Twitter/Milton Ribeiro

Estamos falando de mais de 4.000 programas de pós-graduação ativos no Brasil. É como se todos os cursos que formam cientistas e que fazem pesquisa em áreas como astronomia, genética ou linguística, antes balizados pelos indicadores da Capes, agora ficassem às cegas.

A Capes foi criada na década de 1950, vinculada ao MEC, quando universidades como a USP tinham acabado de debutar —e instituições como a Unicamp e a UnB ainda não tinham nem sido criadas. É, portanto, tão jovem quanto nosso próprio ensino superior.

Na década de 1970, a agência assumiu o papel de reconhecer, acompanhar e avaliar os programas de mestrado e de doutorado do país a partir de comitês em diferentes áreas do conhecimento.

Esse foi um dos maiores acertos da nossa política de ciência e de educação superior: a avaliação se dá a partir de especialistas independentes, reconhecidos em suas respectivas áreas de atuação, que estão a serviço do MEC.

O próprio sistema acadêmico passou a se autorregular com aquilo que ele próprio definiu que é pós-graduação de qualidade. Os critérios desenhados pelos comitês da Capes acabaram se tornando padrão de qualidade perseguidos pelos programas de pós-graduação em todo o país.

Mais do que isso, o sistema criado pela agência atribuiu ao desempenho dos programas a distribuição de recursos para infraestrutura e para concessão de bolsas de pesquisa. Quanto melhor, mais verba.

Os indicadores, claro, eram recorrentemente tema de debate nos corredores acadêmicos. Ressaltava-se, por exemplo, que programas jovens ou localizados em regiões periféricas do país não conseguiram se desenvolver —e, consequentemente, sempre receberiam menos recursos.

Ao que parece, esse tipo de discussão, no entanto, não tem balizado os rompantes recentes na agência federal. Há percepção generalizada de interferência de instituições privadas, que torciam o nariz para o ranking da Capes de pós-graduação.

O ciclo de avaliação de 2017 a 2020 —paralisado em setembro por decisão judicial— ainda não foi concluído. Com isso, pelo menos 80 pesquisadores de áreas como química e física pediram desligamento da agência alegando falta de compromisso com a avaliação quadrienal por parte da Capes e pressão para aprovação de novos cursos de pós (especialmente a distância).

Debandada parecida aconteceu recentemente no Inep, órgão também ligado ao MEC que, por sua vez, avalia a educação básica e a superior (graduação) no país. Em outubro, dezenas de servidores do Inep pediram exoneração. Isso às vésperas da realização do Enade (Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes) e do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio).

É inaceitável que as duas instituições federais responsáveis pela avaliação de sistemas de educação do país —Capes e Inep— estejam colapsando concomitantemente sob o guarda-chuva do MEC. Avaliações educacionais podem revelar realidades desagradáveis. É preciso analisá-las no lugar de mudar a métrica ou silenciar os resultados.

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