Falta de vagas é novo capítulo de estranhamento entre secretarias de Nunes e Doria

Por enquanto, governo e prefeitura não conseguiram garantir matrícula de todas as crianças no 1º ano do fundamental

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São Paulo

O déficit de vagas nas escolas da rede pública é mais um capítulo do estranhamento entre a Secretaria Estadual de Educação (Seduc) e a Secretaria Municipal de Educação (SME) de São Paulo.

Aliados, o governador João Doria (PSDB) e o prefeito Ricardo Nunes (DEM) têm se esforçado para não subir o tom desde que milhares de alunos da 1ª série do ensino fundamental ficaram impossibilitados de voltar às aulas no início do ano letivo por falta de vaga nas escolas públicas da cidade.

Em nota, a SME afirmou que mantém o diálogo com a Seduc para o atendimento da demanda escolar e que as "pastas trabalham coletivamente para alocar os estudantes".

Também via nota, a Seduc disse que o diálogo com o município é constante e, em período de matrícula, é diário. Além disso, citou que, por meio de parceria com a prefeitura, "mais de 12 mil vagas foram criadas".

Rossieli Soares acompanha o início do ano letivo em escola de São Paulo - Karime Xavier - 2.fev.2022/Folhapress

Ao Ministério Público, as gestões afirmaram que vão solucionar, até a próxima semana, a falta de vagas no 1º ano do fundamental nas escolas da capital.

Segundo nota da Promotoria, "as secretarias alegaram dificuldades no planejamento, em decorrência dos impactos da pandemia, do aumento da demanda e de falhas no sistema e no processo de realização de matrículas".

Além das cobranças pela desarticulação que resultou na falta de atendimento às crianças em fase de alfabetização, o desentendimento ocorreu em outra decisão na área educacional.

Rossieli Soares, secretário de Educação de Doria, determinou que só serão afastados das salas de aula os alunos e professores que apresentarem pelo menos dois sintomas de Covid-19.

Essa portaria, publicada no dia 28 de janeiro, não foi aceita pela secretaria municipal e vai na contramão de recomendações médicas.

"Pessoas sintomáticas não devem ir à escola, mas o que são pessoas sintomáticas? São as que têm dois sintomas. Não pode ser ‘estou com dor de cabeça, então sou sintomática para Covid’. Tem que ter dois sintomas daqueles que são da Covid para não ir à escola, especialmente, até fazer o teste", disse Soares, durante visita a uma escola estadual no último dia 2.

Horas depois, o secretário municipal de São Paulo, Fernando Padula, divergiu de Soares e anunciou que, na capital paulista, basta um sintoma para que a criança seja afastada —a mesma orientação do ano anterior.

"Tendo sintoma, não encaminhe seus filhos para escola. Em ele estando na escola, quer seja medindo a temperatura, quer seja algum dos outros sintomas, que se isole essa criança", afirmou Padula. "A escola já tem um espaço separado para o isolamento, já praticaram isso ano passado, informam os responsáveis, que vêm buscar a criança." Nesta quarta, a SME disse seguir as determinações da área da saúde sobre questões relacionadas à Covid.

A Folha apurou que Rossieli ficou incomodado com a posição de Padula.

A relação entre as cúpulas se agravou na última semana, após a Folha ter mostrado que cerca de 14 mil crianças tiveram que aguardar por uma matrícula no 1º ano do ensino fundamental em São Paulo.

O ano letivo na rede estadual teve início no último dia 2, e na rede municipal, no dia 7. Ainda assim, quase 5.000 crianças começaram esta semana sem a perspectiva de pisar numa sala de aula.

Historicamente, o governo estadual atende cerca de 60% dos alunos nessa faixa de ensino, e a prefeitura responde pelo restante, 40%, na capital paulista.

Em nota enviada à imprensa na última segunda, a Seduc citou que, conforme a Constituição, o ensino fundamental é de atuação prioritária do município. "Com isso, cabe às prefeituras fornecerem a educação de base, qual seja, creches (até 3 anos), pré-escola (educação infantil; 4 e 5 anos) e o ensino fundamental (de 6 a 14 anos)", diz a nota.

De acordo com servidores e a explicação dada aos pais de alunos ouvidos pela Folha, a principal razão para o problema é reflexo de Doria ter intensificado a expansão do período integral (PEI) nos dois últimos anos. Saltou de 417 escolas em 2019 para 2.050 em 2022.

Como as escolas passaram a atender os alunos por mais tempo, o número de turmas e, consequentemente, de vagas disponíveis na rede estadual diminuiu. Por outro lado, a prefeitura, sozinha, não teve tempo para aumentar sua rede e absorver a demanda.

Há anos São Paulo não se depara com fila de espera para matrícula na 1ª série do ensino fundamental. Pelo menos desde 2007, o dado mais antigo disponibilizado pela prefeitura, não há registro de espera para essa etapa na qual a frequência escolar é obrigatória, de acordo com a Constituição.

Nunes, por sua vez, desde quando o problema veio à tona, isenta a Prefeitura de São Paulo de qualquer culpa com os alunos desassistidos.

"Nós, da Prefeitura de São Paulo, fizemos todas as ações para que isso não ocorresse e não houve nenhum problema gerado por nossa equipe", afirmou o prefeito, que tem sido fiel a Doria, pré-candidato à presidência da República.

Como gesto de sintonia entre governador e prefeito, em novembro de 2021, Nunes exonerou o secretário da Habitação do município, Orlando Faria, após pressão de aliados de Doria.

Faria, que era braço direito de Bruno Covas, morto em maio daquele ano, havia acabado de declarar apoio para Eduardo Leite, adversário do governador paulista nas prévias do PSDB.

Em meio ao impasse para conseguir acomodar as crianças que ainda estão fora da escola, Henrique Pimentel, chefe de gabinete da Seduc, disse em entrevista à Folha, que o município precisa fazer um esforço maior para aumentar a oferta de vagas nos anos iniciais do ensino fundamental.

"Nunca vamos nos negar a atender crianças dessa etapa, mas a responsabilidade é prioritariamente dos municípios. A prefeitura precisa gradativamente atender mais alunos", disse.

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