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Daniel castanho

Volta à aula presencial é oportunidade única para repensarmos papel da escola

Não podemos voltar ao que fazíamos em 2019, antes da pandemia

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Daniel Castanho

Presidente do Conselho da Anima Educação e membro do conselho da Escola Lumiar e da Escola Castanheiras

A volta às aulas presenciais deve ser encarada pela sociedade como uma oportunidade única para repensarmos o papel da escola. Depois de dois longos anos de aulas remotas, de isolamento social, de restrições ao convívio com colegas, devemos honrar aqueles que, na adversidade, nos proporcionaram experiências criativas de aprendizado.

Não podemos voltar ao que fazíamos em 2019, antes da pandemia. Até porque o retrocesso não seria de apenas dois anos. Estaríamos voltando para a prática de um século atrás, uma vez que desde então o ensino não se renovou, a não ser que se contabilizassem mudanças cosméticas derivadas do uso mecânico de novas tecnologias.

Um engenheiro ou médico que ficasse congelado por cem anos não teria condições de trabalhar quando despertasse. Ele iria encontrar um mundo diferente, teria perdido o bonde da história. Um desconheceria a possibilidades do concreto na construção civil. O outro ficaria espantado com o alcance da penicilina ou das vacinas.

Alunos assistem a uma aula em escola pública de São Paulo - Rivaldo Gomes - 18.out.2021/Folhapress

Um professor submetido à mesma criogenia, porém, acordaria plenamente capacitado para voltar a dar aulas no dia seguinte. O problema não seria o docente pessoa física, sempre pronto a dar o melhor de si, mas o sistema ao qual ele está submetido. A verdade é que, no decorrer dessas décadas, várias gerações se sucederam sem que se alterassem substancialmente as fundações educacionais.

Está mais do que na hora de redesenharmos o ensino. Hoje, como em 1919, nos tempos da gripe espanhola, as estruturas da educação induzem o professor a entregar conteúdo e cobrar dos alunos, por meio de provas, a memorização do que lhes repassado, sem o que o diploma não sai.

Ora, uma criança ou jovem que passa por tal funil letivo está apto para fazer o quê? Certamente não para ter êxito na nova sociedade, muito menos para contribuir para a construção de um novo tempo, mais solidário em relação ao outro, mais tolerante em relação às diferenças.

Então o conteúdo não importa? Claro que importa. Mas como meio, não como fim. É o domínio das matérias que dará uma base sólida aos estudantes, sim, mas, sem a devida atenção às novas competências que a vida exige, o conhecimento acumulado não os levará a um desejável papel de protagonistas da história a ser escrita.

A pandemia nos mostrou o valor do convívio social, a relevância da família, o poder da espiritualidade e a importância renovada de pertencer à comunidade. Temos que continuar cultivando esse solo fértil, porém é preciso reconhecer que o ambiente escolar é o lugar por excelência onde se exerce a cidadania, onde nos confrontamos com ideias alheias, onde lapidamos a empatia, onde evoluímos a escuta e a reflexão sobre nossas próprias convicções.

São esses os saberes que –para além da álgebra ou da tabela periódica dos elementos químicos– abrirão as portas para o cidadão de amanhã. Ao professor, à professora, cabe o papel de artífice dessa transformação social, ampliando o repertório humanista, sem o qual não será possível antever um mundo melhor.

Que nesta volta às aulas, possamos todos, juntos, enquanto sociedade, levar adiante um projeto coletivo de educação, escutando as demandas das famílias, dos professores, dos especialistas e dos alunos. Para um país, educação não pode ser apenas uma prioridade –tem que ser a premissa.

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