Alunas de escola de SP dizem ter sido tiradas da sala por causa de suas roupas

Segundo estudantes, direção afirmou que "não poderia se responsabilizar por queixas de casos de possível assédio cometidos pelos alunos homens"; Estado diz que vai apurar caso

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São Paulo

Em um comunicado postado no Facebook no último dia 10, alunas da Escola Estadual Parque Anhanguera, na zona norte de São Paulo, afirmam terem sido retiradas de sala de aula no dia anterior por estarem usando cropped, regatas e calças rasgadas.

Segundo o relato das estudantes, funcionários da escola passaram nas salas do 9º ano do ensino fundamental e no ensino médio pedindo para que todas as alunas se levantassem. As que estavam com uma roupa que a escola considerasse inapropriada, como cropped, regata e calça rasgada, foram mandadas para a secretaria da escola.

As alunas afirmaram ainda que as que usavam moletons e casacos foram obrigadas a tirarem as peças para que as funcionárias conferissem a roupa que estava por baixo.

Alunas da Escola Estadual Parque Anhanguera, na Zona Norte de São Paulo, protestam por terem sido retiradas de sala de aula por estarem usando roupas consideradas inapropriadas pela direção, como cropped, regata e calça rasgada
Alunas da Escola Estadual Parque Anhanguera, na zona norte de São Paulo, protestam por terem sido retiradas de sala de aula por estarem usando roupas consideradas inapropriadas pela direção, como cropped, regata e calça rasgada - Reprodução/Facebook

"Na secretaria, fomos notificadas de que a escola não poderia se responsabilizar por queixas de casos de possível assédio cometidos pelos alunos homens, por conta da forma como as meninas estavam vestidas. Enquanto falava isso, a funcionária apontou para o grupo de alunas reunidas naquele momento. Também fomos informadas que poderíamos ser impedidas de entrar na escola (o que vai contra o regimento escolar EPA do Governo do Estado de São Paulo e da Secretaria da Educação) a depender da nossa vestimenta e que poderíamos ter nossos responsáveis convocados", diz trecho da nota.

"Nós nos sentimos desrespeitadas e ridicularizadas, fomos constrangidas perante toda a comunidade escolar e expostas dentro das salas de aula!", continua o texto.

Procurada pela Folha, a escola comunicou que é impedida de comentar o caso.

O advogado Ariel De Castro Alves, membro do Instituto Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, diz que o episódio é passível de ação civil contra gestores e funcionários do colégio.

"O episódio demonstra que alguns gestores e servidores da educação não estão devidamente conscientes dos seus papéis pedagógicos e da função educacional e social da escola. E muitos sequer respeitam as legislações de proteção à infância e juventude. Direitos e cidadania deveria ser uma matéria obrigatória nas escolas. E houve a discriminação de gênero neste caso, já que as meninas foram discriminadas pelas vestimentas, e os meninos, não", explicou Castro Alves à Folha.

"É necessário que as vítimas, acompanhadas de seus pais ou responsáveis, procurem o Conselho Tutelar mais próximo e a delegacia, para fazer o boletim de ocorrência", afirma. A pena, caso haja condenação, é de detenção de seis meses a dois anos.

O advogado lamenta ainda que o episódio tenha ocorrido na semana em que se comemorava o Dia Internacional da Mulher. "Isso demonstra uma atuação incompatível com a função social e de educação da escola. Temos até crime a ser apurado pela polícia, pela promotoria da infância e adolescência, de submeter a criança a vexame, a constrangimento. Temos direitos fundamentais à dignidade, ao respeito e à liberdade que foram violadas nessa ação de representantes da escola pública."

Temos outras previsões no ECA, que indicam que a escola tem de respeitar a forma de vestimenta das alunas, que é a forma de vestimenta comum entre os adolescentes no mesmo contexto social. O estatuto também prevê a necessidade de o processo educacional respeitar o histórico do próprio contexto social em que as crianças e adolescentes vivem, garantindo a liberdade a eles

Ariel de Castro Alves

Membro do Instituto Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente

Bruna Waitman, coordenadora do Centro de Mídias da Secretaria Estadual de Educação (Seduc-SP), afirmou que pasta abriu apuração para entender o que ocorreu. "Mas já adianto que a secretaria considera absolutamente inconcebível essa conduta. Nossa política é espaço seguro e acolhedor para todos os nossos estudantes. Temos feito nas escolas ações de informação, engajamento sobre combate à violência contra a mulher. Entendemos que a conduta é inapropriada, que tira o protagonismo das alunas", destacou a porta-voz à Folha.

Waitman conta que já está agendada uma conversa com as alunas na próxima segunda-feira (21), quando a secretaria as ouvirá sobre o episódio. Mas ela afirma que todas continuarão a ter liberdade para escolher as roupas para irem à escola.

"As alunas vão continuar como todos os estudantes. Nossa preocupação é o direito básico do acesso à educação. Elas poderão usar roupas confortáveis para acompanhar as atividades. Podem ficar bem tranquilas com as roupas que sejam confortáveis."

No fim do comunicado na rede social, as alunas pediram respeito e destacaram que qualquer pessoa está sujeita a assédio sexual, apesar das roupas usadas.

"Não apenas mulheres mas qualquer pessoa está sujeita ao assédio sexual e quem faz isso não são as roupas que elas vestem! A nossa cultura prefere ensinar as vítimas a terem medo e sentirem culpa pela roupa que usam, do que educar as pessoas para que respeitem outras pessoas e principalmente mulheres, sejam elas, alunas, professoras, irmãs, mães, avós, cunhadas, vizinhas, amigas etc! Toda mulher merece respeito!", finaliza a nota das estudantes.

Na última sexta-feira (11), o grupo realizou um protesto na escola e colou cartazes nos banheiros e no quadro de aviso.

Cartaz afixado pelas alunas no protesto na Escola Estadual Parque Anhanguera
Cartaz afixado pelas alunas no protesto na Escola Estadual Parque Anhanguera - Reprodução/Facebook
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