Ataques a mulheres ganham novos formatos no ambiente online

A declaração do deputado, por mais repugnante que seja, não é algo isolado

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

"São fáceis, porque elas são pobres." "A fila das refugiadas, irmão [...] só deusa, assim, só deusa." "Se você pegar a fila da melhor balada do Brasil, a melhor, na melhor época do ano, não chega aos pés da fila dos refugiados aqui."

Essas e outras frases abjetas proferidas por um deputado estadual de São Paulo foram exaustivamente divulgadas nos últimos dias. O vazamento do áudio em que ele se referia de forma misógina às mulheres ucranianas chocou parlamentares e eleitores, causando grande repercussão na imprensa e nas redes sociais.

É difícil encontrar adjetivos para classificar esse tipo de comentário sobre mulheres em qualquer contexto, mas o fato de estarmos em meio a uma guerra transmitida em tempo real, com imagens diárias de bombardeios e de centenas de milhares de pessoas fugindo de suas casas, torna a declaração ainda mais sórdida.

Manifestantes durante ato 'Mulheres pela Ucrânia', em Bruxelas, na Bélgica - Kenzo TRIBOUILLARD / AFP

Contudo, é preciso também dizer o óbvio: a declaração do deputado, por mais repugnante que seja, não é algo isolado. Ele não é o único homem que pensa assim. O exemplo mais claro disso é o aumento massivo de buscas no Google e em sites pornográficos como o PornHub por termos como "mulheres ucranianas", "garotas ucranianas" e "pornô refugiadas".

A objetificação e a desumanização de mulheres são pilares estruturantes da sociedade em que vivemos. Se praticamente toda mulher já foi assediada na rua, na escola, em casa ou no trabalho, por que isso seria diferente no ambiente online? Ao contrário: a distância e o anonimato dão justamente mais liberdade para que homens ofendam e violentem, com textos, áudios e vídeos, mulheres conhecidas e desconhecidas.

É fato que a internet amplificou e diversificou a misoginia. O assédio a personagens de inteligências artificiais é um bom exemplo de como isso se dá inclusive no contato com mulheres que, na prática, não existem.

Já para as humanas, as possibilidades de agressão são incontáveis. Entre as mais comuns estão o vazamento de imagens íntimas, prática conhecida como pornografia de vingança, e as deepfakes que destroem reputações e minam a saúde mental de mulheres mundo afora.

O abuso sexual online também é um problema sistêmico e dados não faltam para comprovar esse cenário. Os mais recentes são de uma pesquisa do Instituto Ipsos em 31 países e mostram que, no Brasil, 46% dos homens acham que as mulheres exageram quando afirmam ser vítimas de assédio nas redes sociais. Ao mesmo tempo, 58% dos brasileiros pensam que a responsabilidade por esse comportamento é, sim, dos homens.

Quando olhamos para mulheres que trabalham de forma exposta nas mídias, a situação também é crítica. Lá fora, o termo "presstitute" é bastante utilizado em ataques misóginos a profissionais da imprensa. Por aqui, segundo dados da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e da UNESCO, uma jornalista é agredida a cada três dias, o que totaliza 119 agressões ocorridas em 2021. Desse número, que deve ser maior por conta da subnotificação, 38% foram considerados ataques de gênero.

É claro que há um problema crônico de combate a discursos com preconceito de gênero e orientação sexual nas plataformas digitais. Na avaliação da organização Ultra Violet, coletivo feminista baseado nos Estados Unidos, todas as big techs falham no combate à misoginia. No boletim Social Media Fails Women, publicado pela entidade, o grupo classifica como tímidas as iniciativas de banimento de conteúdo e acolhimento das vítimas.

Mas também é necessária a compreensão de que esse é um problema social que reflete nas tecnologias. São homens que enviam áudios, montam imagens, acessam e divulgam pornografia, degradando individual e coletivamente a imagem de mulheres.

Comentários em grupos de WhatsApp nada mais são do que conversas machistas de bar levadas para o ambiente virtual, onde têm potencial quase infinito de alcance. Os autores são homens de carne e osso responsáveis por suas falas e posturas.

Cybersexismo é sexismo e tem um potencial destrutivo. Não adianta se dizer chocado com a fala misógina de um deputado –é preciso ação. A violência de gênero está no discurso, em memes machistas, xingamentos a jornalistas, nudes de conhecidas e desconhecidas vazados e compartilhados e em tantos outros formatos impossíveis mensurar.

Para que o lugar de mulher seja onde ela quiser, como diz uma frase repetida exaustivamente por coletivos, campanhas e organizações feministas, é preciso tornar esses lugares receptivos, respeitosos e empáticos a elas. E, se vivemos num mundo conectado, as redes sociais não escapam disso.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.