Escola de tempo integral é promissora, mas pode elevar repetência

SP amplia carga horária, mas não segue modelo bem-sucedido de Pernambuco, que priorizou matemática

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São Paulo

Com expansão acelerada em São Paulo, o ensino em tempo integral tem potencial de melhorar o aprendizado dos estudantes, mas também pode provocar efeito reverso ao esperado, com piora de indicadores educacionais.

É o que mostram recentes estudos sobre programas de aumento da carga horária implantados no Brasil. Com diferentes desenhos, eles obtiveram resultados díspares.

Ampliado pelo governo João Doria (PSDB) de 364 para 2.050 escolas desde 2019, o programa paulista de tempo integral tem diferenças significativas em relação aos dois modelos avaliados, o que faz com que seu efeito em larga escala ainda seja uma incógnita.

Pernas dos alunos enfileirados com professora ao fundo
Escola Estadual Orlando Geríbola, em Osasco (SP), que se tornou integral em 2022 - Karime Xavier/Folhapress

A pesquisa que encontra resultados positivos mais expressivos do ensino em tempo integral é a que examina o caso de Pernambuco, exemplo nacional na área.

Com 45% da renda per capita dos paulistas, o estado tem uma rede de ensino médio à frente de São Paulo no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica).

A posição foi conquistada em meio a uma forte expansão das escolas em tempo integral, que, no ano passado, abarcavam 75% das vagas de ensino médio em Pernambuco.

O caso do estado foi analisado em estudo feito pelo economista Leonardo Rosa, hoje pesquisador no Insper, como parte de sua pesquisa de doutorado na Universidade Stanford, em coautoria com Eric Bettinger, Martin Carnoy e Pedro Dantas.

Ao analisar o desempenho dos alunos em avaliações oficiais, o trabalho mostrou, isolando outros fatores, um impacto muito forte da expansão da carga horária no aprendizado de português e, principalmente, de matemática no ensino médio.

A melhora no desempenho nessas duas disciplinas equivale a um ano e três meses de aprendizagem. Ela é creditada em grande parte justamente à ampliação da carga horária das duas disciplinas. Segundo o estudo, o número de horas dedicadas a português em Pernambuco aumentou 20% com o programa, e o de horas a matemática, 50%.

outra pesquisa, dos economistas Claudia Bueno Rocha Vidigal e Vinicius Gonçalves Vidigal, analisou o programa federal Mais Educação. Criado em 2008, no governo Lula, ele chegou a atender mais de 50 mil escolas antes de acabar em 2016.

A iniciativa dava incentivos financeiros a estados e municípios que aumentassem a jornada escolar por meio de atividades no contraturno em áreas como esporte, cultura, educação ambiental e promoção da saúde, entre outras.

Ao analisar dados de fluxo das escolas que integraram o programa, Claudia e Vinicius observaram dois efeitos do Mais Educação. De um lado, ele ajudou a reduzir o abandono escolar em até 2,2 pontos percentuais ao longo de seis anos nas unidades em que foi implantado. Por outro, contribuiu para o aumento da repetência em até 1,1 ponto percentual.

A influência do programa sobre a repetência pode não parecer tão grande, mas, em locais com taxa de reprovação no patamar de 5%, por exemplo, é relevante.

Para Claudia, o resultado está ligado ao fato de o programa dedicar a carga extra a atividades extracurriculares e não ao núcleo de disciplinas tradicionais.

"A literatura mostra que, quando os alunos se dedicam mais a atividades culturais, esporte e lazer, a escola fica mais atrativa. Mas muitas vezes os estudantes também passam a ter menos tempo para fazer lição de casa ou estudar para provas", diz ela, atualmente professora da Universidade Estadual de Maringá —o estudo foi feito quando a dupla estava na Universidade de Minnesota, nos EUA.

Avaliação anterior do programa, financiada pelo Banco Mundial e pela Fundação Itaú Social, já não tinha observado impacto significativo do programa no desempenho escolar.

Claudia faz a ressalva, porém, de que essa análise pegou o período inicial do programa, e que seu próprio trabalho mostrou que os efeitos positivos do Mais Educação nas escolas são cumulativos, ou seja, aumentam ao longo do tempo.

Aluna em corredor de escola vazio
Aluna na Escola Estadual Orlando Geríbola, que se tornou integral neste ano - Karime Xavier/Folhapress

Ainda sem uma avaliação de larga escala, o Programa de Ensino Integral (PEI) de São Paulo tem algumas semelhanças com o programa de tempo integral de Pernambuco, como a possibilidade de atendimento individualizado aos alunos e a dedicação exclusiva dos professores a uma mesma escola.

Mas a ênfase nas disciplinas tradicionais não é a mesma observada na pesquisa sobre o programa pernambucano.

Segundo o estudo de Leonardo Rosa, após a ampliação da jornada, as escolas de ensino médio em tempo integral do estado passaram a ofertar cinco horas de aulas de matemática por semana.

No PEI de São Paulo, a carga horária básica de matemática para os alunos no ensino médio é de três horas e 45 minutos por semana no primeiro ano, de duas horas e 15 no segundo ano e de 90 minutos no terceiro ano.

É a mesma carga prevista para as escolas regulares. Nas duas modalidades de carga horária, o aluno poderá ter ou não mais conteúdo de matemática a depender do itinerário que escolher seguir, uma vez que, no novo ensino médio, os estudantes podem optar por diferentes áreas de aprofundamento.

No programa paulista, o tempo extra das escolas de tempo integral é dedicado a módulos como matérias eletivas e orientação de estudo.

Para Rosa, é possível que, mesmo sem replicar o aumento da carga horária das matérias tradicionais, como fez Pernambuco, São Paulo consiga obter bons resultados por meio do atendimento individualizado ao aluno. Mas será preciso esperar para ver o que acontece na prática.

Por enquanto, indicadores sobre o programa paulista apontam para duas direções.

Por um lado, a Secretaria da Educação informa que 9 das 10 escolas estaduais paulistas com melhor Ideb são de tempo integral.

Por outro, pesquisas anteriores ao processo de expansão indicaram um viés de seleção nos colégios do programa.

Ao analisar uma amostra de escolas da capital paulista, os professores Eduardo Girotto, da USP, e Fernando Cássio, da UFABC (Universidade Federal do ABC), mostraram em 2018 que, ao entrar no PEI, elas passaram a atender não só menos alunos, mas também um público de nível socioeconômico mais elevado. Já nas escolas regulares do entorno aconteceu o contrário: elas passaram a receber estudantes mais pobres.

Para Cássio, mesmo com a ampliação, o modelo vai seguir excludente, porque não está articulado com medidas como apoio a famílias mais vulneráveis e incentivos para evitar a evasão dos jovens que trabalham.

Coordenador de ensino médio da Secretaria da Educação de São Paulo, Gustavo Mendonça diz que o programa, assim como outras iniciativas da pasta, tenta evitar um aumento de desigualdade priorizando unidades em regiões mais vulneráveis.

Segundo ele, a ausência de ênfase em disciplinas nucleares como matemática e português no PEI é uma consequência da Lei do Novo Ensino Médio, que limita a 1.800 horas por ano a carga horária destinada ao cumprimento da Base Nacional Comum Curricular.

Para se adequar à legislação, diz, a opção do estado foi reduzir a carga de todas as disciplinas na mesma proporção. Ele acrescenta que alunos que quiserem se aprofundar em eletivas ligadas a matemática, por exemplo, terão mais horas para a disciplina.

Diretor da escola estadual Orlando Geríbola, em Osasco (Grande São Paulo), que entrou neste ano no PEI, Rodrigo Principal Antunes aposta que a possibilidade de trabalhar mais tempo com os alunos vai ajudar a melhorar os índices de aprendizagem.

Ele também comemora a drástica redução de faltas de professores, com o menor número de ausências permitidas pelo programa em comparação com as escolas regulares.

Mas velhos problemas permanecem. Segundo Rodrigo, em torno de 20% dos alunos do ensino médio de sua escola pediram transferência para trabalhar neste ano. Ele diz que a proporção é similar à de antes, com a diferença de que anteriormente os estudantes saíam não para estudar em unidades com menor carga horária, mas para outras com ensino noturno.

Expansão do tempo integral é forte no Nordeste

São Paulo não é o único estado a expandir sua rede de ensino em tempo integral.

Mapeamento do Instituto Sonho Grande, que apoia a implementação do tempo integral em 20 estados, mostra que hoje a rede paulista é a quinta com mais escolas de ensino médio com carga horária ampliada, atrás, em ordem decrescente, de Pernambuco, Paraíba, Ceará e Alagoas.

Para Ana Paula Pereira, CEO do instituto, o que os estudos tanto sobre o caso de Pernambuco como sobre o Mais Educação têm em comum é mostrar que o tempo a mais na escola tem que estar integrado ao currículo, e não ser um apêndice dele.

Diretora da Associação Escola Aprendiz, que ajudou a desenvolver o Mais Educação, Natacha Costa afirma que desempenho escolar não deveria ser a única métrica para analisar programas como esse.

Isso porque educação integral, diz, compreende outros aspectos, como cidadania, repertório cultural, desenvolvimento do corpo, sociabilidade, entre outros.

"Quando a gente fala em educação integral, não é fazer mais do mesmo. É ampliar o tempo de uma escola transformada, que diversifique as oportunidades educativas além da aula tradicional."

Erramos: o texto foi alterado

O sobrenome da CEO do Instituto Sonho Grande é Pereira, não Soares, como foi publicado em versão anterior deste texto. 
 

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