"Você vai ter sorte se não virar presidiário", disse, rindo, uma professora a um garoto que falou, na aula, que queria ser empresário quando crescesse. O estudante era Edmar Ferreira, fundador da Rock Content, empresa de marketing que atende 2.000 clientes e tem 500 profissionais.
De família de baixa renda, aluno de escola pública a vida toda, Ferreira decidiu seguir um conselho do avô: "Faça tudo o que pode, com aquilo que você tem ". Frequentou bibliotecas e aprendeu a programar computador copiando, à mão, livros de tecnologia.
A história foi contada pelo empresário em um evento que reuniu mais de 9.000 estudantes de escolas públicas presencialmente e outros 200 mil a distância, em junho. Além de Ferreira, outros ex-alunos de colégios públicos que se tornaram profissionais bem-sucedidos deram palestras, sempre em tom motivacional, no encontro do projeto Crie o Impossível.
Essa foi a quarta edição do evento, sempre realizado em estádios de futebol lotados, com duração de quatro horas e que se auto proclama "a maior sala de aula de escolas públicas do Brasil". Neste ano foi realizado no Beira-Rio, em Porto Alegre.
O projeto deu os primeiros passos em 2013, em Belo Horizonte, após um grupo de recém-formados em colégios públicos debater sobre as dificuldades da escola em motivar os alunos.
Polyane Costa, 31, fazia parte dessa turma e hoje é diretora da ONG Embaixadores da Educação, realizadora, em parceria com o Sebrae, do Crie o Impossível. "A escola foi importante na minha formação, claro, mas também era um lugar de dor, onde enfrentei muito racismo", conta. "Sou de família negra. Meu pai trabalhava descarregando caminhões e era analfabeto. Minha mãe, faxineira, estudou só até a 4ª série. Sou a primeira mulher da família a ter ensino superior", diz.
Sem dinheiro, o grupo se reunia em coretos de praças para elaborar o projeto. Até que conseguiu autorização de uma escola, onde passou um ano realizando encontros com os alunos. Ao final do processo, havia testado uma metodologia com fundo inspiracional. "O que é esse ‘impossível’ que estimulamos o jovem a criar? Depende de cada um. Pode ser fazer uma faculdade, um intercâmbio, ajudar a mãe a abrir uma lojinha", diz Polyane.
O evento foi lançado em 2018 com o propósito de apresentar a grande plateias profissionais bem-sucedidos que enfrentaram dificuldades na infância e na adolescência. Agora essas pessoas dão conselhos e contam suas histórias no palco.
Um dos apresentadores da última edição, que não cobrou cachê, foi o humorista Paulo Vieira, também ex-aluno de escola pública.
Uma das chaves do projeto, segundo seus organizadores, é apresentar personalidades com as quais os jovens de baixa renda, a maioria negra, possam se identificar.
Uma das mais aplaudidas neste ano foi a cientista Jaqueline Goes, que fez parte da equipe brasileira que fez o sequenciamento do genoma do vírus da Covid-19.
"Estou vendo um monte de futuros cientistas aqui", disse ela. "Sou mulher, negra, nordestina. Um conjunto de sub-representatividades. Tive dificuldade para ser aceita, para ter o reconhecimento de colegas e ganhar credibilidade", afirmou. "Mas me tornei uma cientista reconhecida e sou a primeira mulher negra brasileira a ter uma Barbie em minha homenagem", contou Jaqueline, para emendar, enfática: "Eu sou uma Barbie!"
Polyane diz que o objetivo é que os jovens saiam do evento "com muita energia para colocar a mão na massa". Para ajudar nisso a ONG lançou o Desafio Empower, plataforma que conta com apoio da iniciativa privada em que os jovens se inscrevem para aprender a elaborar e a executar projetos de melhoria para a escola ou para a comunidade —os melhores projetos são premiados com bolsas para graduação, cursos de idioma, intercâmbios e livros.
Luana Embiruçu, 16, de Salvador, foi uma das escolhidas deste ano, e subiu no palco para falar sobre seu projeto, voltado a reduzir a evasão. "Nada na vida é fácil, e vocês vão ter que lutar para chegar lá. Mas, independentemente do que ouvem e sofrem na escola, podem, sim, chegar onde quiserem", disse.
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