Descrição de chapéu Cracolândia

Ex-alunos do Liceu Coração de Jesus lamentam fim por causa da cracolândia

Colégio centenário de SP formou famosos como o ator Fúlvio Stefanini e o maestro Roberto Tibiriçá, que relembram época áurea e rigidez de professores

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São Paulo

O anúncio do fechamento do colégio Liceu Coração de Jesus, no bairro de Campos Elíseos, na região central de São Paulo, provocou tristeza em ex-alunos, como o ator Fúlvio Stefanini, o maestro Roberto Tibiriçá e o jornalista Antero Greco.

Os três passaram a infância e a adolescência no colégio de padres salesianos, em épocas nas quais a instituição gozava de prestígio e concentrava a alta sociedade paulistana.

O maestro Roberto Tibiriçá, 68, por exemplo diz ter começado sua carreira musical no Liceu, aproveitando a estrutura disponibilizada aos alunos, como um conservatório com vários pianos, onde passou a dar aulas do instrumento após a conclusão dos estudos.

Coral Canarinhos Liceanos durante uma de suas apresentações no "Côrte Rayol Show", programa da TV Record nos anos 1960
Coral Canarinhos Liceanos durante apresentação no "Côrte Rayol Show", programa da TV Record nos anos 1960; o maestro Roberto Tibiriçá é o primeiro aluno à esquerda - Arquivo pessoal

"A preocupação dos padres com a juventude envolvia música. A gente tinha o Coral dos Canarinhos, que cantava nos programas do Agnaldo Rayol e do Renato Côrte Real, o 'Côrte Rayol Show' na TV Record, com o padre Jonas regendo. Eu tinha entre 8 e 10 anos", relembra o maestro.

Tibiriçá lamenta a notícia do encerramento principalmente pela tradição do colégio. "É com muita tristeza que vejo isso acontecer. O Liceu foi um marco na vida educacional do país desde a época da princesa Isabel. Era um dos colégios mais importantes do país. Não sei como o poder público pode ajudar. É muito triste."

O ator Fúlvio Stefanini, 83, também se disse chateado com a situação a que chegou o centro da capital paulista, com o espalhamento da cracolândia. "É inacreditável que você fique preso a esse problema social e isso não seja resolvido. É claro que é difícil, mas as autoridades tinham que dar um rumo a isso. Um colégio tão tradicional acabar por causa da cracolândia é inacreditável", afirma.

Recostado a um balcão, o ator Fúlvio Stefanini sorri
O ator Fúlvio Stefanini, que estudou no Liceu de 1947 a 1951, cobra a ação dos governantes para dar fim à situação do centro de São Paulo - Mathilde Missioneiro - 14.out.19/Folhapress

Ele lembra que estudou na escola estadual Caetano de Campos, na praça da República, e depois no Liceu. Os dois eram duas referências na educação na época.

"Estudei lá de 1947 a 1951, bem no início da minha vida. Aquilo lá fervilhava. Era um colégio muito rígido, mas tinha uma qualidade de ensino fantástica. Por isso ficou prestigiado durante muito tempo. Agora você vê degringolar dessa forma por causa da cracolândia", diz o ator.

Quem tem boas, e também más, lembranças do Liceu Coração de Jesus é o jornalista Antero Greco, 66, que cursou os antigos ginásio e científico (atuais ensinos fundamental 2 e médio) de 1965 a 1971. Ele afirma ter sido um aluno que não tinha muito o perfil conservador do colégio. Era contestador, falava muito e cobrava os professores nas aulas, sempre batendo de frente com a austeridade da escola.

"Vivi muito, curti muito o colégio. Fui coroinha, cheguei a fazer o curso preparatório para o seminário. Aprontei muito, mas mesmo assim tinham me aprovado. Mas não segui. Minha ligação com o Liceu sempre foi muito intensa", conta Antero. "Uma vez encontrei um antigo professor que me disse que para alguns eu era um delinquente juvenil e, para outros, apenas um garoto vivaz. Eu sabia disso e segurava com as notas."

O jornalista Antero Greco durante sua formatura no colégio Liceu Coração de Jesus
O jornalista Antero Greco (ao fundo) durante sua formatura no colégio Liceu Coração de Jesus, onde estudou de 1965 a 1971 - Arquivo pessoal

Antero conta que sempre esteve ligado ao colégio, seja em eventos para os quais era convidado ou nos reencontros com seus colegas de classe, que passaram a ser anuais recentemente. Com a anúncio do fechamento do Liceu, ele se lembrou de uma tentativa de ex-alunos ajudarem os padres salesianos.

"Há alguns anos, quando começou essa crise mais forte, um grupo de ex-alunos se reuniu com os padres propondo ações para o colégio sobreviver, e uma das sugestões era realmente abandonar o ensino, porque estava morrendo", conta.

Segundo ele, as propostas incluíam transformar o Liceu em um espaço das artes. "O museu, que é simples, poderia ser maior. O teatro, que é espetacular, poderia ser um apêndice da Sala São Paulo para receber concertos menores. Os espaços de salas de aula poderiam ser empregados para oficinas de artes. Mas não seguiu. Os padres achavam que ainda era possível manter o colégio aberto com aulas."

O futuro das instalações também é motivo de preocupação para o maestro Roberto Tibiriçá.

O músico Toquinho olha para a câmera, com os braços cruzados sobre uma mesa
O músico Toquinho foi outro famoso que estudou no colégio dos Campos Elíseos, de 1954 a 1962 - Bruno Santos - 2.mai.19/Folhapress

"É um quarteirão inteiro, tem até um museu. Foi um colégio onde estudou Jânio Quadros, uma pessoa controversa, mas de inteligência incrível, depois o Toquinho e vários políticos. Era um colégio de excelência", lamenta.

O músico Toquinho foi outro famoso que estudou no Liceu, de 1954 a 1962. No programa "Tempos de Escola", do Canal Futura, em 2017, ele falou dos aprendizados que teve no colégio e dos professores, sempre austeros e bravos.

"O colégio foi, junto com a família, uma das grandes pilastras que tive. No colégio, aprendi realmente a respeitar o próximo, a ter sensação de dignidade e de caráter. O colégio, com essa austeridade ou não, me passou isso", disse Toquinho no programa.

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