Universidades preparam abertura de cursos autônomos para estudos da criminalidade

USP e UFMG representam o Brasil em projeto que teve aporte financeiro da União Europeia e envolve toda a América Latina

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São Paulo

Universidades da América Latina trabalham para tornar a criminologia uma ciência autônoma no meio acadêmico. Com apoio financeiro da União Europeia, docentes de seis entidades latino-americanas, juntamente com universidades da Europa, estão desde janeiro de 2020 preparando o campo para a implantação da carreira, que poderá ter início em março de 2023, com cursos de pós-graduação.

Do Brasil, participam do programa a USP (Universidade de São Paulo), por meio da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP), e a UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). Fazem parte ainda do consórcio chamado Erasmus+Success (Fortalecimento do ensino de criminologia por meio da cooperação entre universidades europeias e sul-americanas) duas universidades do Peru, duas da Colômbia, três da Espanha e três de Portugal.

"A ciência autônoma é uma carreira de natureza científica universitária, pode se formar como criminólogo na graduação, fazer mestrado de criminologia. É uma ciência baseada no método científico de construção de conhecimento. É um método de observação, experimentação, de coleta de dados da realidade", explica Marina Rezende Bazon, professora do Departamento de Psicologia da FFCLRP e membro da Sociedade Internacional de Criminologia, uma das coordenadoras do consórcio no Brasil.

Imagem colorida, durante o dia, mostra um prédio marrom, com cindo mastros com bandeiras à frente; uma placa na cor prata, presa em um chão gramado, tem a seguinte informação: Universidade de São Paulo - Faculdade de Direito de Ribeirão Preto
Fachada da Faculdade de Direito da USP de Ribeirão Preto (SP), uma das seis universidades da América Latina que integram o programa bancado pela União Europeia para desenvolver a graduação de criminologia - Vladimir Tasca - 21.ago.19/Divulgação USP

Segundo a docente, o programa concorreu com 841 propostas de projeto na União Europeia, em 2019. Ele ficou entre os 176 projetos selecionados para o financiamento de 1 milhão de euros (cerca de R$ 5 milhões).

"Boa parte do financiamento criou as condições para esse acesso à informação complementar dos professores sul-americanos para implementar a criminologia com qualidade", diz Marina.

"Entre junho e julho, 22 professores sul-americanos das equipes ficaram um mês na Europa [onde países tem a criminologia como ciência autônoma], com tudo pago, estudando nas universidades portuguesas e espanholas. Entre outubro e novembro vão mais 18."

No Brasil, a criminologia está submetida ao direito penal. Na visão dos docentes, isso faz com que a realidade não seja observada como deveria ser, o que limita a prevenção e o controle da criminalidade.

"As instituições responsáveis pela administração do sistema de segurança pública e Justiça Criminal não têm uma formação específica sobre os fenômenos relacionados às causas do crime, aos processos de aplicação da lei e aos efeitos da aplicação da lei em termos de causas do crime", diz Ludmila Ribeiro, do Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG, também coordenadora do projeto.

A ideia do curso de nível de especialização seria ensinar as teorias sobre causas e consequências do crime e o processo de aplicação da lei, em uma questão teórica combinada com métodos de pesquisas sociais, com análises qualitativas e quantitativas de dados, para que os profissionais sejam capazes de pensar nos efeitos de suas ações no ponto de vista da prevenção e da repreensão ao crime.

"A criminologia é vista no Brasil como uma subárea do direito, é assim que ela está no MEC e é assim que é pensada em diversas faculdades, mas a ideia é que aconteça como ocorre nos EUA e na Inglaterra. Tem a graduação em criminologia, e quando vai fazer a seleção de policiais, vai às escolas de criminologia", afirma Ludmila.

O objetivo também é apresentar aos profissionais que atuam na polícia novas ferramentas, novos saberes, para que elas possam pensar a lei em uma perspectiva diferente.

"É construir saberes para esse profissional que sejam mais escorados em evidências empíricas, menos guiadas por achismos, e que com isso tenham condições de produzirem resultados sustentáveis do ponto de vista especificamente da prevenção do crime", explica a professora da UFMG.

O curso da USP está em processo de análise dentro das instâncias da universidade, trâmite que deve durar de três a quatro meses. A ideia, segundo Marina Bazon, é que ele possa ser implantado em março como pós-graduação, com dez disciplinas, como psicologia, economia, administração, direito e química.

"A partir daí, espero que as equipes se fortaleçam e consigam continuar propondo versões atualizadas do mesmo curso e quem sabe um dia a própria graduação em criminologia, que seria um passo fundamental para criar a área de conhecimento."

Na UFMG, o curso de especialização também está em processo de aprovação e a ideia é que em março seja implantado.

Para Rafael Alcadipani, professor da FGV e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a iniciativa de fazer da criminologia uma ciência autônoma é bem-vinda.

"Ele [ensino de criminologia] está muito preso na área de direito, com as questões legais, mas existe um mundo na criminologia para compreensão de crime, para compreensão de polícia, para compreensão de uma série de coisas que ainda está deixando muito a desejar no Brasil para esse tipo de conhecimento", diz.

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