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'Na escola, pediam para usar meia cor da pele, que era branca', diz doutoranda da USP

Aluna da Faculdade de Medicina, Merllin de Souza integra grupo que elabora políticas de cotas para a pós-graduação; leia relato

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São Paulo

"Sou uma mulher preta, feminista, que veio das barrancas do rio Madeira, da cidade de Humaitá, no Amazonas." Assim Merllin de Souza, 30, doutoranda da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, começa o seu depoimento à Folha.

Ela é uma das integrantes do recém-criado Grupo de Trabalho de Políticas Afirmativas e de Inclusão na Pós-Graduação da USP, que vai elaborar programas de cotas para os cursos de mestrado e doutorado.

Merllin de Souza, 30, fisioterapeuta e doutoranda da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - Zanone Fraissat/Folhapress

A seguir, ela fala sobre suas dificuldades na educação, que começou a sentir aos 6 anos, na festa de alfabetização, quando a escola estabeleceu como parte do traje meia-calça "cor da pele", que era branca.

"Sou fisioterapeuta formada pela Universidade Federal do Amazonas. Fiz mestrado e agora faço doutorado, ambos no programa de Ciências da Reabilitação da Faculdade de Medicina da USP.

Para mim, é muito importante a pauta das ações de inclusão na universidade. Não há como produzir ciência sem diversidade, tanto de hipóteses de pesquisa quanto dos indivíduos que estão produzindo esse conhecimento. A USP acertou muito, mesmo que tardiamente, ao aceitar cotas na graduação para alunos pretos, pardos e indígenas (PPI) e de condições socioeconômicas vulneráveis. Da mesma forma, acerta com a implementação desse grupo para elaborar políticas de cotas para a pós.

Na Faculdade de Medicina, enquanto fui representante discente, conseguimos implementar ações afirmativas e de apoio à permanência na pós. Temos cotas de PPI, travestis, quilombolas e pessoas com deficiência.

Poder participar desse grupo de trabalho é fazer parte de uma etapa importante da história da maior universidade do país. Sou ativista pelos direitos das pessoas negras desde os seis anos. Entendi o racismo e virei ativista quando, na festinha de alfabetização da escola, pediram que as alunas usassem meia-calça "cor da pele", que era branca. Meu pai me falou sobre diferenças, racismo, e me disse que eu tinha que estudar.

Participei de organizações estudantis e fui entendendo essas questões, o que se aflorou na USP. Fui uma das fundadoras do primeiro coletivo negro da Faculdade de Medicina, o Núcleo Ayê, e sou coordenadora da primeira comissão de direitos humanos do Conselho Regional de Fisioterapia e Terapia Ocupacional de São Paulo.

Quando ingressei na graduação, em 2010, não havia cotas, da mesma forma que no mestrado e no doutorado. Fiz boa parte da educação básica em escolas públicas, municipais e estaduais. Na faculdade, estudei no campus do Coari, no médio Solimões, que fica afastado. A gente só chega lá por barco ou avião, e eu via a minha família uma ou duas vezes por ano só.

Sou a primeira pessoa da minha família a ter nível superior, a ir para um outro país apresentar um trabalho científico, a ter mestrado, doutorado. Tudo isso acaba convergindo para o tamanho do desafio no ambiente acadêmico. Mas ainda há tempo de garantir a reparação da injustiça social na nossa universidade."

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