Descrição de chapéu Enem

Último Enem sob Bolsonaro trata de desigualdades, mas continua ignorando ditadura

Questões também citaram a skatista Rayssa Leal, a 'fadinha', e falaram sobre pobreza, racismo e feminicídio

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São Paulo e Brasília

O último Enem sob a gestão Jair Bolsonaro (PL) abordou em suas questões a ampliação das desigualdades educacionais e sociais no Brasil durante a pandemia. Mais uma vez, no entanto, a ditadura militar ficou de fora da prova.

O primeiro dia de prova, realizado neste domingo (13), teve uma abstenção de 27%, índice dentro do histórico do Enem. Dos 3,4 milhões de inscritos, 905 mil não fizeram o exame.

Professores de cursinho elogiaram a abordagem de conteúdos atuais, relevantes e que falam sobre os direitos humanos. Essas sempre foram características do exame, o que já foi criticado e contestado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL).

A avaliação é de que mais uma vez a prova resistiu às tentativas de interferência do governo.

"Os temas escolhidos reforçam valores relevantes para uma sociedade democrática e igualitária: a validação do processo eleitoral, a preservação das comunidades tradicionais, igualdade de gênero e desigualdade social", avalia Pedro Vasconcelos, professor do cursinho Anglo Leonardo da Vinci.

Charge de Luiz Fernando Cazo usada em questão do Enem
Charge de Luiz Fernando Cazo usada em questão do Enem - Reprodução

Apesar da inclusão de temas criticados por Bolsonaro, o Enem deste ano mais uma vez não trouxe questões sobre a ditadura militar. É o terceiro ano consecutivo que o conteúdo fica de fora da prova. Até então, esse período histórico havia sido tratado em todas as edições do exame desde 2009.

Bolsonaro é defensor da ditadura militar e propôs que o Enem tratasse o golpe militar de 1964 como uma revolução, como revelou a Folha.

Para abordar desigualdades na pandemia, uma das questões trouxe uma charge de Luiz Fernando Cazo que mostra um menino, morador da periferia, tendo dificuldades para estudar de forma remota por não ter acesso à internet.

"A prova abordou situações muito relevantes e atuais, que os próprios candidatos atravessaram nesse período. Muitos alunos devem ter se identificado", diz Vinicius Beltrão, coordenador de ensino do SAS Plataforma de Educação.

A prova também trouxe questões que trataram de feminicídio, pobreza e criminalidade. Houve ainda o uso de trechos de músicas de Chico Science, de Chico Buarque e do livro "Quarto de Despejo", principal obra da escritora negra Carolina Maria de Jesus.

Uma das perguntas também trouxe o exemplo da skatista Rayssa Leal, a "fadinha", trazendo uma reflexão sobre os estereótipos de gênero em relação a alguns esportes.

"A questão que abordou o skate lembrando o feito olímpico de Rayssa Leal discutiu ao mesmo tempo três inclusões: a do skate, que passou a ser esporte olímpico, a do adolescente que passou a ser protagonista nos pódios e a da mulher no skate, modalidade que por muitos anos foi dominada exclusivamente por homens", diz Volmar Souza, professor de português da escola Marília Mattoso, de Niterói.

Para Rodrigo Basilio, professor de história do Poliedro (Mogi e Osasco) e do canal Historiando, a prova de ciências humanas deste ano retomou a característica histórica de ser mais interpretativa, reduzida em versões anteriores que estavam mais conteudistas.

"Trouxe uma diversidade de fontes, tratando, por exemplo, do protagonismo histórico das mulheres, discutindo e tensionando estereótipos e desnaturalizando violências", diz.

"A grande questão foi, sem dúvida, a que discutia o que violava o Estado de Direito e a alternativa correta era o não reconhecimento do resultado eleitoral", destaca Basilio.

O diretor do Cursinho da Poli, Giba Alvarez, avalia que os candidatos encontraram uma prova de complexidade média para fácil. Com exceção de itens de geografia, que exigiu conteúdos disciplinares mais específicos, o foco do Enem 2022 foi de muita interpretação —o que mantém a tradição da prova.

"Foi uma prova que o estudante aprende com ela, com questões sobre garantia de direitos, moradia, agricultura familiar, feminicídio, liberdade de expressão", diz Alvarez, que elogiou a prova.

"O Enem mostra que é uma política de Estado, com uma prova que olha para o futuro, indica de fato como deve ser o ensino médio, sem de forma alguma provocar ou cutucar o governo", diz. "Foi um Enem conectado com as políticas educacionais, como a reforma do ensino médio e a Base Nacional Comum Curricular."

O primeiro dia de provas manteve a tradição de trazer textos longos, mapas e questões de interpretação, segundo candidatos que terminaram a aplicação deste domingo.

No Uniceub, em Brasília, os primeiros candidatos começaram a sair assim que a organização da prova passou a liberá-los, às 15h30.

Em busca de uma vaga em agronomia, Bianca Freitas, 17, disse que a quantidade de textos deixou a prova cansativa.

"Era tanta coisa para ler que fui ficando vesga uma hora, tinha muito mapa também", disse ela. "A redação foi até tranquila, pensei que seria mais difícil", afirmou.

O tema da redação deste ano também foi elogiado por educadores e estudantes por tratar dos "desafios para a valorização de comunidades e povos tradicionais no Brasil". Lideranças indígenas também comemoram a escolha, sobretudo por se dar em meio a um governo criticado pelas políticas voltadas a esses grupos.

A redação é considerada uma das partes mais importantes da prova. Entre candidatos que vão bem na parte objetiva, uma pontuação diferenciada na redação que pode garantir uma vaga.

Talles Henrique, 19, disse ter achado a proposta interessante por permitir uma visão muito ampla.
"Tema muito bom para falar do Brasil. A gente fica muito centrado na cultura de fora, dos Estados Unidos, e não preserva nosso povo, nem sabe muito sobre ele", disse o jovem, que busca uma vaga em medicina.

Henrique ressaltou questões com textos de Machado de Assis, sobre rios e itens com mapas.

O estudante Gabriel Paiva, 17, disse que uma das questões com mapa o ajudou para escrever a dissertação. "Não sabia muito sobre o assunto, não me preparei e por isso não gostei muito do tema, apesar de ser um assunto importante."

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