'Crianças e jovens devem aprender a detectar fake news', diz pesquisadora

Escritora defende inclusão da educação midiática no currículo fixo das escolas como forma de promover uma relação mais saudável com a internet

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São Paulo

É preciso envolver as crianças e os adolescentes no debate sobre as fake news, e isso deve ser tarefa de empresas, famílias e escolas. Abordar como se formam as bolhas, o que elas representam, o que são algoritmos, como agem e que consequência tem cada clique no ambiente digital.

No recém-lançado livro "Fake News e Inteligência Artificial" (ed. Almedina, 424 págs., R$ 99), a doutora em comunicação e semiótica Magaly Prado aborda o potencial destrutivo das notícias falsas e discute as táticas para combatê-las.

Jovem usa celular em São Paulo - Robson Ventura - 6.nov.2017/Folhapress

Resultado de quatro anos de pesquisa sobre o uso da inteligência artificial na produção de fake news, a obra coloca como fundamental o investimento na educação midiática, que fomente um uso mais consciente e saudável da internet.

Em entrevista à Folha, a autora, que é professora de pós-graduação da PUC-SP e pesquisadora do Instituto de Estudos Avançados da USP, ressalta a importância de se colocar no centro do debate as crianças, os jovens e também os idosos, especialmente suscetíveis às fake news.

Como é a proliferação de fake news nas mídias a que as crianças e os adolescentes mais têm acesso? O seu livro menciona que a desinformação se dissemina inclusive nos games.

Sabemos que as crianças são as mais vulneráveis pela falta de malícia. E muitas estão na internet, não somente em jogos, como em redes sociais povoadas por pessoas de todas as idades. O pior é constatar que os próprios pais e responsáveis são os que criam os perfis das crianças nas redes. Isso as deixa à mercê de todo tipo de barbaridade no ciberespaço, um ambiente que amplifica e alastra com mais velocidade tanto o que é positivo como o que é negativo, como as fake news.

Na adolescência, a situação piora porque, nessa fase, a autoafirmação é latente, e uma das formas de se autoafirmar é a exposição, ou a superexposição, nas bolhas. Por estarem mais suscetíveis ao ambiente tóxico do ciberespaço, seja em aplicativos, games ou redes sociais, os jovens sofrem mais com a desordem informacional.

A proliferação das fake news acontece em toda e qualquer mídia, com diferentes linguagens. Em sites que imitam a imprensa profissional, existe uma preocupação em fingir ser notícia, forjando fontes e mesclando mentiras a informações verdadeiras. Em ambientes como o TikTok, as fake news buscam chamar a atenção com vídeos curtos, trazendo imagens falsas, em montagens das mais simples às mais sofisticadas, como as deepfakes —neste caso, os programas conseguem fazer com que a imagem de uma pessoa "diga" algo que, na verdade, ela não disse, sintetizando e editando a voz. E há também as deepfake só de áudio, muito disseminadas no WhatsApp e no Telegram.

As deepfakes estão tecnicamente cada vez mais bem feitas, enganando a maioria das pessoas e se aproveitando, em especial, da ingenuidade dos mais jovens e dos idosos.

O YouTube é uma mídia importante para crianças e adolescentes, e você menciona no livro que essa plataforma é uma das mais usadas para a disseminação de fake news. Qual seria o caminho para reduzir a propagação de desinformação via YouTube?

Não há um caminho efetivo. O que se pode fazer é investir em medidas de médio e longo prazo, como participar das discussões de regulação das mídias e colaborar com as escolas na educação midiática. No curto prazo, o único caminho é ajudar a desmascarar as fake news sempre que se deparar com elas, em qualquer rede. Uma das possibilidades é seguir agências de checagem e compartilhar seus resultados. E, sempre que se tem dúvida, a melhor estratégia é não passar a informação adiante.

A BNCC [Base Nacional Comum Curricular, documento que define as diretrizes da educação no Brasil] determina que as escolas desenvolvam nos alunos uma leitura crítica dos meios digitais, mas esse papel não parece consolidado. Como os educadores podem fomentar uma relação mais saudável com a internet?

As escolas deveriam colocar a educação midiática no currículo fixo, em todos os estágios de aprendizado. Não basta mostrar como a internet funciona ou como os algoritmos se comportam, é necessário alertar para os perigos da desinformação, mostrar quando é preciso desconfiar e propiciar o pensamento crítico contínuo. Pode-se demonstrar o processo de checagem de informações, desde como identificar uma fonte confiável até detalhes da linguagem utilizada nas fake news, como títulos sensacionalistas e escrita com erros gramaticais, até incutir a ideia de que é possível rapidamente verificar se, ao menos, outro órgão de imprensa tradicional traz aquela informação.

Não é da nossa cultura o costume de checar o que aparece na internet, e devemos insistir nessa prática. Uma ideia é colocar como exercício de casa a checagem de uma informação por dia, por exemplo. Professores podem levar os estudantes para conhecer o trabalho de um jornalista, acompanhar o processo de apuração de uma notícia. Convidar jornalistas para workshops também dá bom resultado. Compreender a seleção de fontes é o básico. Diferenciar quando é ou não necessário ouvir os diferentes lados de uma questão. Os jornalistas podem explicar que não se deve ficar somente em pesquisas da Wikipedia, por exemplo, e que checar informações com especialistas diplomados nas melhores universidades têm mais credibilidade.

O seu livro coloca que o combate às fake news deve envolver um esforço também das famílias, além da atuação das escolas e das empresas de comunicação. Como as famílias podem desenvolver essa cultura?

Os familiares podem auxiliar os menores e os mais velhos a desconfiar das fake news. Incentivar o hábito de frequentar bibliotecas é muito sadio, porque os profissionais estão aptos a esclarecer a diferença entre o que é verdadeiro e o que é falso. Encorajar crianças, adolescentes e idosos a questionar quando há dúvidas, deixando claro que podem perguntar à vontade. Deve-se citar fontes fidedignas para que criem ânimo de sempre buscar o certo. E sempre explicar o quanto é prejudicial compartilhar fake news, dando exemplos de danos, como o de notícias falsas sobre saúde, e, a depender da idade, até o de situações complexas, como a interferência em processos eleitorais.

Magaly Prado, autora do livro 'Fake News e Inteligência Artificial - O Poder dos Algoritmos na Guerra da Desinformação' (ed. Almedina) - Divulgação

Como explicar a crianças como os algoritmos atuam?

De maneira bem simples, pode-se dizer que toda a navegação na internet é rastreada, então elas devem tomar cuidado com os ambientes acessados. Crianças e jovens precisam saber que receberão na internet mais do mesmo, ou seja, cada vez que passam um tempo consumindo um determinado assunto, mais material sobre o mesmo tema irão receber.

Assim, se estão em um conteúdo extremado no YouTube, por exemplo, a plataforma vai recomendar mais e mais sobre aquilo, tanto na lateral direita com o próximo vídeo, e também em outras plataformas. Os adolescentes percebem esse movimento do algoritmo de recomendação mais facilmente, e é importante debater com eles quais as consequências desse mecanismo na vida de cada um e na sociedade em geral, em termos de consumo, da formação de opiniões, posições políticas etc.

O que devemos refletir sobre a vida nas bolhas das redes sociais, em especial com crianças e adolescentes?

O monitoramento e a análise de dados na internet servem à cultura algorítmica para direcionar mensagens, e as fake news também se aproveitam desse mecanismo. Devemos conversar com as crianças e com os adolescentes sobre a importância de não curtir e não compartilhar nada duvidoso. Em um segundo momento, pode-se analisar a tentativa de burlar, sempre que possível, esses mecanismos de rastreamento e de formação de bolhas. Ler o contraditório ajuda a receber material do outro polo, assim como interagir com pessoas que pensam diferente, que podem ser familiares ou amigos que por vezes deixamos de seguir.

Crianças, quando gostam de algo, querem repetir a experiência à exaustão, então devemos incitá-las a frequentar diferentes ambientes digitais, que sejam saudáveis. Já no caso dos adolescentes, a provocação precisa ser mais aguçada, pois a formação de grupos, e consequentemente das bolhas, faz parte dessa fase. Ao mesmo tempo, eles têm mais capacidade de participar do debate sobre esses aspectos e, bem provocados, tendem a se interessar por essas questões e a pensar em maneiras de atuar de forma mais consciente.

Fake News e Inteligência Artificial

  • Preço R$ 99 (424 págs.)
  • Autor Magaly Prado
  • Editora Almedina

Raio-X

Magaly Prado

Doutora em comunicação e semiótica, é bolsista de pós-doutorado do Instituto de Estudos Avançados da USP e pesquisadora do Center for Artificial Intelligence (C4AI) da mesma universidade. É também professora de pós-graduação da PUC-SP.

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