Propagação de suástica e ideias nazistas em escolas acende alerta

Para especialistas, a resposta não está em projetos pontuais, e sim naqueles que viram parte do processo pedagógico e do cotidiano das escolas

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São Paulo

Em Aracruz, um adolescente com uma suástica no braço invadiu duas escolas, matou quatro pessoas e feriu outras 13 a tiros. O episódio da cidade capixaba soma-se à lista de recentes registros de apologia de nazismo em instituições de ensino do país, acendendo um alerta sobre a propagação de símbolos e ideias hitleristas no ambiente escolar.

Nos últimos meses, suásticas foram pichadas em muros da USP e da Unifesp. No interior paulista, alunos do tradicional colégio Porto Seguro se denominaram neonazistas em um grupo de WhatsApp.

Em uma escola pública de Santa Catarina, um professor elogiou Adolf Hitler. Além disso, ao menos dois alunos, um do colégio Amadeus, em Aracaju (SE), e outro do Cotiguara, em Presidente Prudente (SP), fantasiaram-se do ditador em evento escolar. Em junho, um aluno da escola Avenues, na capital paulista, citou uma frase do líder nazista no anuário escolar.

Suásticas pichadas em parede do DCE da USP
Suásticas pichadas em parede do DCE da USP - Divulgação

Essas escolas adotaram abordagens distintas para lidar com os episódios.

No caso do Porto Seguro e da escola catarinense, os responsáveis pelos atos acabaram afastados.

O colégio Amadeus, em que um aluno foi vestido com uma suástica e fez a saudação nazista, exibiu filmes seguidos de rodas de conversas com os alunos sobre o assunto.

O Cotiguara, por sua vez, fez uma ação de esclarecimento por meio de aula especial especificamente sobre o nazismo e outra de conscientização de discursos de ódio nas redes.

Na escola Avenues, após o caso do anuário, foram implantadas rodas de conversa para estimular senso de responsabilidade social e empatia entre alunos. Além disso, está prevista para 2023 a realização de eventos para a conscientização e prevenção a comportamentos excludentes, racismo e bullying.

As diferentes reações das escolas refletem a falta de protocolos sobre o que fazer diante de um episódio em que estudantes propaguem discursos de ódio e fomentem a apologia de nazismo.

Para especialistas, a resposta não está em projetos pontuais, e sim naqueles que atingem diferentes camadas e que se tornam parte do processo pedagógico e do cotidiano das escolas.

"As escolas não estão erradas de promover respostas naquele momento, mas é uma boa oportunidade para entender o currículo escolar e ajustar para isso", afirma Claudia Costin, diretora do Centro de Políticas Educacionais da FGV.

A diretora diz ainda que, no caso de um episódio de apologia de nazismo, o professor deve explicar bem o período histórico, pois, se mal explicado, poderá gerar interpretações errôneas, como a de que o nazismo "é a força da juventude que diz ‘eu vou lá e faço’".

Costin também destaca que, embora nesses episódios seja tentador culpabilizar apenas as escolas, é preciso que os responsáveis pelas crianças também sejam educados —durante as eleições deste ano, por exemplo, crianças reproduziram em sala de aula o debate político polarizado.

Telma Vinha, professora do Departamento de Psicologia Educacional da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), acrescenta que o debate de possíveis soluções para esses casos está relacionado à formação ética dos alunos e não é nem a curto prazo nem de forma fácil que serão resolvidos.

Faz-se necessária, na avaliação dela, uma política pública em nível federal de fomento a uma qualidade da convivência e formação ética na escola.

Alguns dos exemplos de ações efetivas citados por Vinha se assemelham aos descritos pela Avenues: promoção de assembleias regulares para discussão de problemas de convivência, espaço de mediação de conflito no caso de problemas privados e formação de professores.

Valéria Cristina Oliveira, professora da faculdade de educação da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e pesquisadora do Nupede (Núcleo de Pesquisa em Desigualdades Escolares), afirma que se concentrar em ações pontuais pode limitar as discussões.

É comum, exemplifica ela, que escolas abordem racismo apenas às vésperas do feriado da Consciência Negra e nazismo somente em aulas de história. "Os temas não ganham o cotidiano, o respeito e um olhar atento nas relações interpessoais das escolas."

A pesquisadora, que considera o episódio de Aracruz o exemplo mais elevado de discurso de ódio em escolas brasileiras, ressalta que mesmo os casos em que a apologia não está atrelada a ataques físicos são perigosos por fortalecer os símbolos na sociedade de desrespeito e eliminação do outro.

Além disso, segundo ela, episódios de violência e discurso de ódio traumatizam e podem transformar o clima da escola. "Há medo e insegurança de quem faz parte da comunidade da escola e isso afeta a disposição dos professores em continuar trabalhando ali."

Para Oliveira, discutir esse tema nunca foi tão necessário quanto hoje. Não à toa, começaram a surgir ideias para tentar conter a disseminação de apologias de nazismo e violência entre jovens.

Uma delas é o projeto proposto pelo grupo de transição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que elaborou um relatório com estratégias de ação governamental para evitar atentados a escolas.

Organizado por Daniel Cara, professor da Faculdade de Educação da USP e dirigente da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, o relatório sugere o monitoramento de ações de grupos extremistas dentro e fora da internet por meio de agências internacionais e da polícia brasileira e a preparação de escolas e responsáveis pelos alunos para que consigam identificar pensamentos de extrema direita por parte dos jovens.

Na cidade de São Paulo, a bancada feminista do PSOL protocolou no início de dezembro na Câmara um projeto de lei para que seja implementada uma educação antinazista para que os estudantes saibam da importância histórica do combate ao fascismo e ao nazismo. O texto não detalha, no entanto, como isso seria feito.

Em Vitória, após o atentado em Aracruz, foi fundado um fórum, envolvendo entidades, movimentos sociais e sindicatos, com o objetivo de enfrentar a violência nazifascista. Entre as suas propostas estão encontros com o governador do Espírito Santo para fazer reivindicações e também apresentar propostas para o enfrentamento do nazifascismo no estado.

Marcos Knobel, presidente da Federação Israelita do Estado de São Paulo, diz que a entidade se prepara para pôr em prática em 2023 um projeto com parceria de escolas sobre o que foi o nazismo e o Holocausto. A ideia é que os jovens ouçam de sobreviventes e especialistas no assunto como foi esse período. "É importante explicar a eles que um gesto pode remeter a trágicas lembranças."

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