Relatora da Lei de Cotas quer maior assistência para cotista permanecer na universidade

Deputada federal Dandara Tonantzin (PT-MG) defende também ampliar as instâncias de verificação da autodeclaração racial

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Brasília

Nova relatora da Lei de Cotas na Câmara, a deputada federal Dandara Tonantzin (PT-MG) defende que o cotista tenha prioridade de acesso aos auxílios oferecidos dentro do Plano Nacional de Assistência Estudantil para minimizar casos de evasão nas universidades.

Na avaliação dela, isso evitaria que a universidade tivesse que, ela própria, definir quais alunos cumpririam critérios para acessar os recursos para moradia, alimentação e transporte.

"Nós precisamos garantir que os estudantes cotistas consigam entrar, permanecer e se formar com qualidade, porque há um abismo gigantesco entre a quantidade de cotistas que entram e os que conseguem de fato terminar a graduação", afirma a deputada.

A deputada federal Dandara Tonantzin, uma mulher negra, vestindo uma camisa branca e com um pano marrom na cabeça, sentada em uma cadeira e apoiada sobre uma mesa
Nova relatora da Lei de Cotas na Câmara, a deputada federal Dandara Tonantzin (PT-MG) - Divulgação

O gargalo da permanência dos cotistas na universidade é um dos principais problemas da atual lei apontados no relatório da comissão de juristas sobre combate ao racismo da Câmara dos Deputados. Elaborado em 2021, o documento teve como relator o hoje ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida.

"Hoje fica muito a cargo da universidade. Ela tem que pegar o pouco orçamento que tem e ficar definindo quem é o mais sofrido, quem é o mais pobre, quem precisa mais. Nós não queremos que a universidade fique sozinha nessa luta de ter que definir quem recebe bolsa, quem não recebe", defende.

"[Queremos] garantir a prioridade de cotistas nestas bolsas. Em algumas universidades, os cotistas já recebem alguns pontos a mais neste processo seletivo, mas nós queremos que isso esteja dentro da lei", diz a deputada, que foi cotista na graduação.

Tonantzin argumenta ainda que a revisão da lei não deveria ocorrer a cada dez anos, como é hoje, e sim com maior periodicidade. Entende ainda que, além disso, deve haver instrumentos de monitoramento e avaliação de periodicidade ao menos anual.

Segundo ela, os Neabs (Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros) poderiam ajudar nessa tarefa, apresentando relatórios aos conselhos superiores universitários anualmente ao Ministério da Educação. A cada cinco anos, sugere, o órgão poderia produzir um compilado e, por que não, já realizar uma revisão.

A Lei de Cotas, aprovada em 2012, previa uma revisão do programa apenas no prazo de dez anos —ou seja, em 2022. À época, porém, o próprio movimento negro pediu o adiamento desse processo, primeiro em razão do período eleitoral, mas também pela avaliação de que o então governo Bolsonaro não havia produzido dados técnicos suficientes para embasar o debate.

Tonantzin diz que instrumentos de revisão e avaliação periódica obrigariam o governo a produzir tais dados com maior constância, diminuindo a influência ideológica sobre a aplicação e efetividade da lei.

"Nós precisamos deixar as medidas de reparação de direitos, de equidade, um pouco mais estruturadas para que não fiquem à mercê de governos", diz.

Para ela, a revisão periódica serviria também para reduzir os crimes relacionados à lei. "Com esse monitoramento, combateríamos os fraudadores e na afroconveniência", diz.

Afroconveniência é o termo usado para designar um sujeito que, por exemplo, se declara negro ou branco quando melhor lhe convém. Nas eleições de 2022, diversos candidatos que mudaram sua classificação racial com relação ao pleito de 2018 foram criticados por isso.

Ainda no combate às fraudes e à afroconveniência, ela pretende incrementar no texto da lei a obrigatoriedade de instâncias de verificação da autodeclaração racial, como as comissões de heteroidentificação —grupo que avalia se um candidato é elegível, ou não, às cotas.

Tais comissões já são usadas por diversas instituições de ensino no país, mas atualmente por iniciativa das próprias.

Na sua avaliação, também é necessário ampliar o escopo das cotas para mais segmentos da sociedade —cita, por exemplo, quilombolas ou a comunidade LGBTQIA+—, e para tentar também abraçar a pós-graduação.

No entanto, admite que esses são pontos que devem enfrentar especial resistência no Congresso e que talvez não haja como aprová-los neste momento.

"Já é difícil debater o acesso na graduação, há resistência. Um negro que acessou a universidade é um filho de patrão que deixou de entrar, porque o que está em jogo é isso. Na pós-graduação há um espaço menor e o nível de resistência é proporcional à especialização do espaço", diz.

"Demandaria da gente mais esforço, mais articulação e nós vamos ter que fazer uma análise de cenário e ver o que dá para entrar [na nova redação da lei] e o que não dá", acrescenta.

Segundo ela, há acordo com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para que o projeto seja pautado quando for considerado maduro o suficiente.

Para isso, pretende nos próximos dois meses realizar uma série de audiências públicas com a sociedade civil e também reuniões com congressistas e com integrantes do governo para elaborar um texto que possa ser posto em votação na Casa já ao fim desse prazo.

Por outro lado, há também no Congresso propostas não só para o fim da lei, mas também para outras alterações que ela considera um retrocesso, por exemplo a substituição das cotas raciais por critérios apenas de renda.

"Setores conservadores estão atuando para acabar com as cotas. Então, nós não precisamos nem de ter um projeto muito robusto, um relatório muito ousado, para eles se armarem contra nós. Só o fato da existência da lei de cotas já contribui para isso", afirma.

O mais importante, diz a deputada, é garantir que a revisão aconteça para que a lei, que como mostrou a Folha vem transformando o perfil dos estudantes universitários, siga ativa.

"A Lei de Cotas só vai acabar quando o racismo estrutural acabar, é uma política contínua. Enquanto negros forem tratados de formas diferentes na sociedade… quando a gente equilibrar essa balança de verdade, podemos começar a conversar sobre o fim. Foram 400 anos de escravidão, pouco mais de 100 anos desde a abolição. Em dez anos não fizemos reparação. Vai demorar um pouco mais", diz Dandara.

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