Descrição de chapéu
Fies Enem

Não podemos cair em um poço sem fundo

A nossa discussão não devia estar centrada numa expectativa absurda de revogação do novo ensino médio, mas em como melhor adequar esta etapa

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Rossieli Soares

Atual secretário da Educação do Estado do Pará. Ex-ministro da Educação e ex-secretário da Educação do Estado de São Paulo

Em 2018, ainda como ministro da Educação, dei uma declaração forte a respeito da realidade do ensino médio no Brasil. Naquele momento, longe de imaginar que enfrentaríamos uma pandemia dois anos depois, disse que o ensino médio no Brasil havia chegado ao fundo do poço.

A declaração repercutiu dividindo opiniões, mas o ponto principal estava colocado: não dava mais para que as autoridades escondessem a realidade educacional da sociedade brasileira. Todos sabiam que o problema era sério, mas nenhuma autoridade tinha coragem de assumi-la publicamente.

Para se ter uma ideia da gravidade do problema que enfrentávamos, naquele momento, segundo o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), menos de 5% dos alunos ao final do ensino médio das redes públicas sabiam o esperado em português e matemática. Trago essa memória de 2018 para refletirmos sobre como será nosso futuro se, no presente, deixarmos revogar o novo ensino médio sem que haja uma avaliação da sua implementação para corrigir eventuais desvios e seguirmos um caminho raso que se pauta por questões políticas.

Estudantes protestam contra o novo ensino médio na avenida Paulista, em São Paulo
Estudantes protestam contra o novo ensino médio na avenida Paulista, em São Paulo - Bruno Santos - 15.mar.23/Folhapress

O novo ensino médio veio para dar uma nova estrutura a um processo de ensino defasado para as necessidades reais dos estudantes de hoje. A nossa discussão não devia estar centrada numa expectativa absurda de revogação da lei, mas sim, em como melhor adequar esta etapa, quais são os desafios de implementação e o que pode ser melhorado para atender a realidade que se impõe no dia a dia das escolas brasileiras.

Durante a discussão para a aprovação do novo ensino médio, apresentamos os marcos legais e resultados de avaliações que apontavam para a necessidade de mudanças mais que urgentes nesta última etapa da educação básica. Diversos setores da sociedade e instâncias educacionais participaram deste processo que antecedeu a aprovação da lei nº 13.415, do novo ensino médio.

O processo de elaboração desta lei foi resultado de discussões e documentos de quase três décadas, desde a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases (1996); do debate e aprovação das diretrizes do ensino médio (1998); do Seminário Nacional sobre a reforma do ensino médio (2002); do Fundeb com foco na garantia da universalização do ensino médio (2007); do lançamento, pelo MEC, do Plano de Ações Articuladas (2007); do novo Enem (2009); do Programa Ensino Médio Inovador (2010); da criação no Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) do grupo de trabalho da Reforma do Ensino Médio (2010); das Diretrizes Curriculares Nacionais para o ensino médio aprovadas pelo CNE (2012); e do Projeto de Lei (PL 6840/2013) e do PNE (Plano Nacional da Educação, 2014). Como fica claro, o novo ensino médio foi discutido por vários governos.

A discussão do ensino médio deveria ser pautada nos ajustes necessários para sua efetivação, focada na ideia de apoiar e incentivar os estudantes em seus projetos de vida e não em aprender muitas coisas de forma rasa. É disso que se trata o novo modelo. No lugar disso deveríamos estar discutindo a formação inicial dos docentes, apoio efetivo à alfabetização das nossas crianças na idade certa, apoio ao desenvolvimento de habilidades socioemocionais que apoiem nossos estudantes a superar os desafios que o século 21 impõe, formação continuada de qualidade e que apoie nossos docentes na sala de aula.

O novo modelo do ensino médio busca corrigir as distorções que o Brasil ainda tem nesta etapa de ensino em termos de estrutura e equilibrar as medidas que já são adotadas por outros países, como Chile, Austrália, Estados Unidos, e tantos outros. Agora estamos dando aos estudantes o acesso a todas as aprendizagens essenciais dos componentes curriculares, além de um aprofundamento naqueles em que há maior interesse. O itinerário formativo, como é chamada a parte flexível do currículo, ajuda o estudante a estar mais preparado para o mundo do trabalho a partir dos seus sonhos, dons e vocações.

Alguém acha crível que façamos uma nova discussão dessa magnitude para avançar em outra estrutura curricular que responda aos desafios do futuro e não às pressões do passado? Ou temos a coragem de enfrentar as mudanças necessárias ou o Brasil continuará produzindo gerações que não estudam, não trabalham e também não ingressam no mercado de trabalho ou em um curso de nível superior.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.