Instituto cria conhecimento para desenvolvimento da Amazônia
De seu escritório em Brasília, o dia a dia do biólogo Paulo Moutinho, 53, inclui publicar pesquisas em revistas científicas internacionais, dialogar com o governo e articular políticas públicas para a conservação do meio ambiente e a melhoria da qualidade de vida de comunidades da Amazônia.
Mas ele sente falta de estar no mato –não consegue ficar distante das florestas nem das pessoas que vivem nelas.
"Na Amazônia moram milhões de agricultores familiares, povos indígenas e comunidades tradicionais que historicamente mantiveram a floresta em pé, mas não são reconhecidos por isso e têm sido prejudicados por violações de direitos, falta de políticas consistentes e abandono pelo poder público", conta Moutinho.
O biólogo é diretor-executivo do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), ONG cuja missão é gerar conhecimento para viabilizar políticas para o desenvolvimento sustentável da Amazônia.
Em 1982, aos 20 anos, ele foi fazer um estágio de 40 dias no campus avançado da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) em Parintins (AM). Lá, o jovem ouviu perguntas de pessoas muito simples daquelas comunidades, ávidas por conhecimentos para seu dia a dia.
Mas não havia respostas realistas, ou seja, que fossem ecologicamente corretas, socialmente justas e economicamente viáveis. Essa profusão de perguntas mudou o plano do jovem de Fernandópolis (SP) que, para se tornar biólogo marinho, deixara para trás a vida urbana no interior paulista e fora estudar perto do mar, no Rio de Janeiro.
"Retornei de Parintins com o coração duplamente amarrado. Troquei a imensidão do azul do oceano pelo verde da Amazônia e conheci Claudia", diz referindo-se à colega da faculdade, sua mulher há 27 anos e mãe de seus filhos Lucas, 25, e Theo, 19. "Foi tudo feito com paixão."
Essa paixão manteve no jovem o eco das perguntas de Parintins e o levou a liderar a criação do Ipam em 1995, em Belém (PA). Hoje, passados 19 anos, o instituto tem seu núcleo central em Brasília, sete escritórios no Acre, Mato Grosso e Pará e uma equipe de 98 pessoas.
A atuação de Moutinho foi essencial para o Ipam ser reconhecido por suas pesquisas científicas sobre a Amazônia e por influir nas políticas públicas que resultaram no engajamento de 4.580 famílias da região em projetos de produção agroflorestal sustentável e em reduções das taxas anuais de desmatamento.
O biólogo também desempenhou papel fundamental na elaboração do REDD (Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal), um dos mais importantes mecanismos do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas das Nações Unidas) para compensação financeira por redução de emissões de gases estufa.
"Sob a liderança de Paulo Moutinho, o Ipam teve uma atuação muito bem fundamentada cientificamente e baseada em um diálogo consistente não só com o governo brasileiro mas também com delegações estrangeiras", disse o biólogo e ambientalista João Paulo Capobianco, secretário de Biodiversidade e Florestas e secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente no governo Lula.
"[Isso] contribuiu de forma relevante para incluir a conservação das florestas entre as prioridades da Convenção de Mudanças Climáticas, que veio a dar origem ao REDD", afirmou.
MODELOS DE SUCESSO
Entre os resultados práticos do trabalho do Ipam com comunidades tradicionais da Amazônia se destacam a assistência técnica e a extensão rural a 2.700 famílias, que também recebem pagamento por serviços ambientais pela manutenção da floresta e adoção de práticas agrícolas sustentáveis.
Além dessas comunidades tradicionais, há também populações que foram para a Amazônia a partir dos anos 1970, vindas de diversas partes do país. Naquela época, 450 mil famílias receberam lotes do governo com a missão de eliminar o que pudessem de floresta para criar gado.
Hoje, no Pará, 1.290 dessas famílias recebem do Ipam assistência técnica para geração sustentável de renda por meio do PAS (Projeto Assentamentos Sustentáveis), uma parceria com a FVPP (Fundação Viver Produzir e Preservar) e o Incra, com recursos do Fundo Amazônia do BNDES e apoio da Fundação Ford, Fundação Gordon and Betty Moore e da Aliança do Clima e do Uso da Terra.
Essas comunidades não só preservam as florestas como também as ampliam, por exemplo, com plantios mistos de cacau e outras espécies nativas, como o mogno. O sucesso é garantido também na geração sustentável de renda, com compradores da produção de cacau na porta das propriedades.
No Pará, em parcerias entre o Ipam, a FPVV e prefeituras, foram criadas as Casas Familiares Rurais, onde os estudantes moram 15 dias por mês, nas cidades de Altamira, Anapu, Brasil Novo, Medicilândia, Pacajá, Placas, Rurópolis, Senador José Porfírio e Uruará.
O objetivo é evitar que os jovens se desloquem diariamente por até centenas de quilômetros e também que as famílias abandonem o campo para seus filhos continuarem os estudos, esse modelo oferece ensino médio com formação técnica agroflorestal, com grande facilidade de colocação no mercado de trabalho local.
"Nossa produção de cacau por árvore cresceu cada vez mais depois que passamos a empregar técnicas de manejo que meu filho Blits aprendeu na Casa Familiar Rural", diz o agricultor aposentado João Raiz Neto, assentado em Pacajá.
CIÊNCIA PARTICIPATIVA
"Nossa pesquisa é participativa. Em cada hipótese, em cada pergunta científica, nós envolvemos pessoas que trabalham na floresta ou que vivem dela", explica Moutinho com a serenidade natural e bem-humorada que marca seu olhar, sua fala, sua presença e, segundo muitos de seus colaboradores e parceiros, tudo o que ele faz.
Não é uma concepção convencional de pesquisa, mas ela teve plena aceitação por revistas científicas de altíssimo prestígio internacional, como a concorridíssima "Science" (EUA) e a tradicionalíssima "Philosophical Transactions", da Royal Society britânica.
Cada vez mais centros de pesquisa do Brasil e do exterior são atraídos, mais recentemente em estudos sobre a relação entre queimadas e a transformação de florestas em savanas no norte do Mato Grosso.
O Ipam mantém seus projetos com recursos que grandes fundações destinam a ações específicas, mas não recebe doações de empresas nem de governos.
Moutinho diz que sua receita é "saber administrar frustrações e caçar oportunidades". Na verdade, sua visão estratégica, persistência, espírito inspirador e estilo gentil de lançar desafios é que sempre foram muito maiores que as dificuldades.
É o que revelam seus parceiros nesse empreendimento de sucesso em um país onde não é comum apostar na geração de conhecimento para melhorar o ambiente e a qualidade de vida.