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É preciso aproveitar a capacidade transformadora dos adolescentes

Jovens não podem ser vistos apenas causadores de problemas ou apáticos, mas agentes da mudança

Antonio Lovato Helena Singer Maria Mérola

Nas últimas semanas, os Estados Unidos foram sacudidos por uma poderosa onda de protestos liderada por adolescentes exigindo maior controle de armas e ações efetivas que coloquem fim aos atentados armados que já vitimaram dezenas de estudantes no país. O movimento, em muitos aspectos, lembra o da ocupação das escolas pelos secundaristas que aconteceu no Chile, no Brasil e na Argentina nos últimos anos.

O que mais chama a atenção em todos estes movimentos é a capacidade dos adolescentes para criar novas formas de organização, trabalhar em equipe em um formato de liderança compartilhada, expressar real empatia pelo outro e produzir mudanças positivas no mundo.

As imagens dos adolescentes liderando multidões com discursos consistentes e propostas efetivas contrastam fortemente com a visão mais comum, a de causadores de problemas ou apáticos. 

 

A adolescência, invenção da modernidade, é o período em que os seres humanos já estão física e intelectualmente prontos para compreender os valores sociais, produzir riqueza e reproduzir a espécie, mas, por ainda não terem a maturidade emocional e a experiência social necessárias, são mantidos sob a tutela dos adultos.

Essa situação, que por si só já é de difícil gerenciamento, sobretudo para os pais, torna-se ainda mais desafiadora nos tempos atuais, em que os adolescentes estão constantemente conectados nas redes sociais, acessando informações vindas de todos os lados do planeta em tempo real, e também com acesso bastante facilitado a drogas de diversos tipos e, cada vez mais, receitadas por psiquiatras.

Vários estudos vinculam as taxas crescentes de ansiedade e depressão juvenil ao uso continuamente intenso da tecnologia e de drogas. 

Contribui para este estado de coisas a permanência de um modelo educacional que mantém os estudantes na passividade. Os jovens percebem que o mundo atual está mudando velozmente e que os adultos formados neste modelo não estão conseguindo lidar com as mudanças. Isso, claro, aumenta e fundamenta sua ansiedade.

A melhor forma de superar a ansiedade extrema da adolescência nos dias de hoje –e suas consequências de alto risco, como a depressão e o abuso de drogas– é o jovem efetivamente experimentar sua potência, viver a experiência de transformar o mundo, como estão fazendo os estudantes americanos agora e como fizeram os estudantes latino-americanos antes.

Quando um jovem tem a experiência de participar da criação de um novo projeto, de uma equipe formada em torno de uma proposta para mudar algum aspecto de seu contexto, ele percebe sua potência, sente-se incluído na sociedade, não mais um tutelado, mas sim agente, autor.

Nesse processo, o jovem desenvolve as aprendizagens necessárias para atuar positivamente no mundo contemporâneo. Nada traz mais saúde e felicidade do que a experiência de contribuir para o mundo, o sentimento de pertencimento e o reconhecimento social.

Isso exige que escolas e organizações educativas em geral se tornem comunidades que estimulam a capacidade transformadora de seus membros. É isso que muitos empreendedores sociais e estabelecimentos de ensino que colocam os adolescentes no comando de projetos e equipes demonstram.

A Viração, por exemplo, criada por Paulo Lima há 15 anos, tem desenvolvido, no Brasil e na Itália, um trabalho de engajamento e empoderamento dos jovens por meio da comunicação e da expressão. 

Já Luke Dowdney levou para vários países sua experiência na favela da Maré, no Rio, com jovens em risco de envolvimento com o tráfico de drogas. Por meio das artes marciais, a ONG Lutas pela Paz traz de volta jovens que haviam evadido da escola e não só os engaja no esporte, transformando seu cotidiano, como também os forma para fazer parte da equipe e apoiar outros jovens a retomarem suas vidas. 

Orientar um adolescente em um mundo em constante transformação não é fácil. Mas temos a nosso alcance uma ferramenta muito poderosa: a capacidade de o próprio adolescente de empatizar, engajar e criar. Eles podem querer mudar as leis de seu país, a organização de suas escolas ou ainda a vida em sua comunidade.

O que importa é o despertar de sua capacidade transformadora. À medida em que os adultos acompanhem os jovens nesta experiência única de transformação, estarão, também, contribuindo para tornar o mundo melhor. 

Antonio Lovato

Engenheiro de gestão e coordenador de infância e juventude da Ashoka Brasil

Helena Singer

Socióloga e vice-presidente da Ashoka América Latina

Maria Mérola

Mestre em políticas públicas e diretora de juventude da Ashoka Argentina, Uruguai e Paraguai

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