Descrição de chapéu BBC News Brasil

Presídio combate tensão e violência com terapia de riso entre detentos e carcereiros

Técnica introduzida em prisão de segurança máxima no Quênia ajuda pessoas que convivem ali a lidar com emoções e reduz estresse e ansiedade

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A entrada de Naivasha é típica de um presídio de segurança máxima: um portão de 2,4 metros de altura com grossas barras de ferro, cercadas de arame farpado.

Mas, lá dentro, tem ocorrido uma experiência pouco convencional. Os mais de 2 mil prisioneiros quenianos –todos condenados à prisão perpétua ou à pena de morte– agora podem fazer sessões terapêuticas lado a lado com seus carcereiros.

Todos estão em silêncio, a ponto de ser possível escutar sua respiração.

“Inspire profundamente... deixe o ar entrar... sair... feche os olhos”, diz um carcereiro no centro da roda. “Repare na sua postura. Sente-se ereto. Você está relaxado, com os ombros e o rosto tranquilos?”

“Preste atenção à sua respiração. Foque no momento”, o guarda prossegue. “Seus pensamentos vão escapar. É normal. Apenas reconheça o que está se passando pela sua mente, volte e foque em sua respiração. Inspire... expire.”

Essa cena tranquila, que tanto contrasta com a rispidez do ambiente, é uma sessão de um programa prisional de "mindfulness" –terapia que ensina a se criar consciência do momento presente, aceitando seus sentimentos, pensamentos e sensações. Defensores da técnica afirmam que ela ajuda as pessoas a lidar com suas emoções e reduz estresse e ansiedade.

As sessões incluem também terapias de riso dentro do programa de mindfulness –os presos dão intensas gargalhadas para, juntos, colocarem suas emoções para fora.

Muitos prisioneiros "odeiam" carcereiros, vistos como símbolos da autoridade que recai sobre eles. No Quênia, assim como no Brasil, há diversos casos de violência mútua entre os dois lados nas prisões.

Em Naivasha, o objetivo é aproximá-los.

“Entre mim e eles (carcereiros) era como inferno e céu. Não havia nenhum lugar onde podíamos nos encontrar ou encontrar um ponto de consenso. Eu os via como assassinos”, diz Willis Opondo, prisioneiro condenado à prisão perpétua por assalto violento.

“Quando um (prisioneiro) morreu na minha cela, fiquei ao lado do corpo por quase três dias sem avisar ninguém, porque sabia que eu ia apanhar muito, mesmo sem ter matado o homem”, ele agrega.

As sessões de mindfulness são quase um santuário. Opondo tem aprendido a lidar com seus medos, dores e demais emoções negativas. E diz que é um homem diferente do que era ao chegar ali, 18 anos atrás.

“Hoje, vejo os carcereiros como meus irmãos, meus guardiões.”

A atmosfera de tensão e violência também cobra seu preço da saúde dos carcereiros, sujeitos a problemas como estresse pós-traumático.

Em Navaisha, o carcereiro Kevin Onyango diz que por muitos anos não conseguiu controlar suas emoções. Com o programa de mindfulness, ele diz que todos são encorajados a expor suas vulnerabilidades e até mesmo segredos pessoais.

“Com o tempo, aprendi a prestar atenção nas minhas emoções”, conta. “E aprendi que essas pessoas são seres humanos em primeiro lugar, além de prisioneiros.”

Mas essa conquista foi árdua. Por muito tempo, muitos participantes relutaram em participar do programa. Até hoje, diversos presos mantêm distância das sessões.

“Eu me sentia incomodado, estúpido (em compartilhar emoções)”, diz um dos prisioneiros. “Era estranho. Como você simplesmente inspira e expira, sentado em silêncio, por dez minutos?”

“A princípio, eu não conseguia focar”, conta outro. “Fiquei frustrado. Eu estava muito negativo.”

Agora, uma pesquisa realizada em fevereiro de 2017 com os prisioneiros indica que a prática de mindfulness ajudou-os a desenvolver laços mais fortes entre si e a melhorar seu relacionamento com as pessoas fora da prisão.

De 140 prisioneiros entrevistados, quase 90% disseram sentir menos raiva e estresse. Altas porcentagens também disseram sentir menos propensão à agressividade e ao uso de drogas.

Matthew Mutisya, um dos administradores de Naivasha, que fica a cerca de 100 km de Nairóbi, diz que o presídio está mais fácil de ser gerenciado.

“Temos menos rebeliões e tentativas de fugas”, diz ele. “Posso caminhar lá dentro desarmado. Muitos deles estão menos agressivos.”

A pesquisadora Inmaculada Adarves-Yorno, da Universidade de Exeter (Reino Unido), responsável pela implementação do programa no Quênia, diz que a aceitação é o desafio mais difícil entre os detentos.

“Aceitar suas próprias circunstâncias não é o mesmo que não querer mudá-las. As pessoas ainda podem buscar mudanças mesmo aceitando quem são e onde estão”, diz ela.

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