Inclusão e cooperação são meios para expandir tecnologias sociais, aponta 'Diálogos'

Participantes pontuam necessidade de colaboração entre esferas pública, privada e 3º setor

Kelly Mantovani
São Paulo

​Os cenários e as alternativas para a implementação das tecnologias sociais no país foram debatidos na nona edição do “Diálogos Transformadores”, nesta quarta-feira (23), no auditório da Folha, em São Paulo.

O encontro, realizado pela Folha e pela Ashoka e com apoio da Fundação Banco do Brasil, reuniu oito especialistas das esferas pública e privada, além de empreendedores sociais que debateram por duas horas o tema "Tecnologias Sociais: Soluções que Mudam Realidades".

Para Antonio Barbosa, coordenador da ASA (Articulação do Semiárido) e um dos protagonistas do ‘Diálogos’, é preciso romper com estereótipos, investir no conhecimento local e pensar além dos impactos sociais. “Às vezes achamos que é só social, mas entra a área econômica”, disse. “A indústria da seca criou o combate à seca. O que precisamos é romper com essa perspectiva.”

“Somos o semiárido que mais chove no mundo, porém, que mais dispersa água por conta das características locais. É preciso adaptar sementes e animais e observar o conhecimento popular”, avaliou.

Na mesma linha Rogério Biruel, diretor da Fundação Banco do Brasil e também protagonista, afirmou que é preciso haver parcerias e envolvimento com as comunidades. “A tecnologia social deve ter um alto nível de sistematização, além de envolvimento com as comunidades", afirmou. "Para isso, a FBB faz um convênio com entidades. É importante ter governo junto para ter sucesso.”

Biruel ressalta ainda que a fundação trabalha por meio de editais e também faz seleção de projetos por meio das agências. As chamadas públicas têm como prioridade populações em situação de vulnerabilidade social —quilombolas, ribeirinhos, jovens e mulheres.
“Temos um projeto com a juventude e o BNDES chamado jovem rural, que leva mais qualidade de vida aos jovens no campo.” Desde o início dos trabalhos em 2001, são mais de 6.000 projetos da FBB em parceria com o BNDES, em maior e menor escala.

Já Sonia da Costa, diretora de Políticas e Programas de Inclusão Social do Ministério da Ciência e Tecnologia e debatedora, afirmou que o papel do governo federal é identificar os projetos de forma sistematizada e fomentar por meio de editais, junto ao CNPQ (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e Banco do Brasil. “São soluções construídas em troca conjuntas de saberes que respeitam os fazeres e trabalhos locais.”

No contexto global, Haroldo Machado Filho, assessor sênior do Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), que integrou o trio protagonista destacou que os 17 ODSs (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU) são uma parte da Agenda 2030, aprovada em 2015. “Os ODSs buscam quantificar o processo de desenvolvimento em 17 temas do dia a dia e como o mundo pode chegar em 2030”, explicou. ”Nós trabalhamos todos os dias com a visão de uma agenda além da política. Como se chega lá é o debate.”

Júlia Carvalho, da ONG Fast Food Política, que ajuda jovens a desmitifica a política brasileira por meio de jogos, disse que é preciso pensar no coletivo e ir além do ativismo. “Quando colocamos coisas do dia a dia e as pessoas começaram a ver as consequências das políticas públicas, todo mundo ganha no jogo. É uma forma de entender o coletivo”, afirmou. “Não precisamos mais ter medo de discutir política e vamos multiplicar.”

CRISE

Roberto Rocha, representante do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis e debatedor, levou o debate para impacto causado pela crise econômica. “Estamos sendo muito afetados pelos investimentos do governo federal. Como podemos organizar isso?”, indagou.

Sonia defendeu que, apesar do corte de 46% das verbas do Ministério da Ciência e Tecnologia, o governo federal tem trabalhado para atender à demanda. “Temos feito o possível de mantermos as tecnologias sociais. Para a política voltar a ganhar força, precisamos de recurso em parcerias. Não é somente com R$ 20 milhões que vamos conseguir fazer isso."

Roberto ponderou que a reciclagem não envolve somente o governo, como também de empresas e sociedade como um todo. “A questão da reciclagem não é só responsabilidade do governo, e sim das empresas privadas, que são as principais poluidoras.”

INCLUSÃO

Vencedor do Prêmio Empreendedor Social 2017, na categoria Escolha pelo Leitor, Hamilton da Silva, criador do Saladorama, negócio social que leva comida saudável às favelas, disse que os editais são na maioria das vezes de difícil entendimento da população em geral. “Precisamos ter menos editais e mais ‘editotodos’."

Em contraponto, Rogério explicou que a FBB tenta preencher essa lacuna por meio de oficinas para população na elaboração de iniciativas. “Temos projetos onde apoiamos diversas comunidades rurais a como se habilitar em editais”. Cláudia Vidigal, idealizadora do Instituto Fazendo História e empreendedora das redes Folha e Ashoka, afirmou que há poucas políticas públicas voltadas aos adolescentes.

Haroldo concordou e disse que as tecnologias sociais embora replicáveis, têm suas particularidades, ou seja, precisam ser adaptadas às realidades.

Os especialistas concluíram que é preciso difundir mais as tecnologias sociais e realizar um trabalho conjunto por meio de parcerias.

“Que a gente consiga levar as discussões mais para as comunidades, como no caso dos catadores”, pontuou Hamilton. “Hoje a gente fala em 100 mil cisternas, mas é uma realidade que precisa ser ampliada. É possível fazer um mundo diferente”, disse Antonio na conclusão do debate.

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