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Um Brasil para as crianças e os adolescentes?

Desinvestimentos em áreas fundamentais dificultam consolidação e manutenção de políticas

Visita domiciliar para vacinação de sarampo no Ceará; área de atenção básica teve corte de 22% nos investimentos
Visita domiciliar para vacinação de sarampo no Ceará; área de atenção básica teve corte de 22% nos investimentos - Jarbas Oliveira/Folhapress
Denise Cesário

A recente crise econômica e a paralisia político-institucional vivenciada pelo país refletiram de forma acentuada na execução de vários programas importantes voltados a crianças e adolescentes, principalmente no ano de 2015.

Olhando para esse cenário, a sexta edição do relatório Um Brasil para as Crianças e os Adolescentes traz análises dos indicadores sociais e políticas implementadas na gestão federal de 2015-2018 nas áreas de saúde, educação e proteção e, onde foi possível, fez um paralelo entre as linhas de ação do governo federal e o seu desempenho orçamentário.

A publicação faz parte do programa Presidente Amigo da Criança, iniciativa da Fundação Abrinq em parceria com a Rede de Monitoramento Amiga da Criança e foi lançada na quinta-feira (23).

Comecemos pela questão da saúde. A diminuição do investimento chega a 22% na subfunção orçamentária atenção básica, considerando valores que deveriam ser corrigidos pela inflação do período 2014-2018, e houve um decréscimo no investimento de aproximadamente R$ 6 bilhões. 

A consequência do desinvestimento é o aumento das taxas de mortalidade materno-infantil –que saem de 54,5 mortes a cada cem mil nascidos vivos, em 2012, para 58,4 mortes a cada cem mil nascidos vivos no ano de 2016– ou ainda impactando no posicionamento da taxa de mortalidade na infância (17 por mil nascidos vivos) no ranking mundial –oito vezes maior que a do país melhor classificado (dois por mil nascidos vivos, na Islândia). 

Pode-se citar, ainda, a amplitude da taxa de mortalidade infantil quando consideradas as mortes por causas evitáveis, principalmente nas regiões nordeste e sudeste, em menores de um ano.

Dentre os principais desafios, a persistência de doenças infecciosas com impacto muito negativo na saúde infantil –sífilis, dengue e zika–, o impacto da violência sobre a mortalidade infantil e o aumento do sobrepeso infantil necessitam de esforço e atenção imediatos do governo federal.  O acesso à saúde está longe do que se pode considerar como um modelo universal, gratuito e de qualidade.

Pautando-se pelo Plano Nacional de Educação (PNE), há muito que se aprimorar na educação brasileira. Além de diversos prazos para o cumprimento das metas e estratégias estabelecidas já estarem em atraso, outros necessitarão de um grande empenho do governo federal para serem efetivados.

A começar pela educação infantil, o país tem como principais entraves a expansão do atendimento em creche, ainda muito distante da meta de 50% das crianças de 0 a 3 anos –30,4% em 2015– e a universalização do atendimento em pré-escola, que aparecia, também em 2015, com 90,5% de cobertura e, portanto, não atingiu a meta estabelecida pelo PNE. 

A dificuldade que o país vem encontrando para atingir a cobertura adequada de creches para a população de 0 a 3 anos de idade se reforçará enquanto não houver um direcionamento de recursos, principalmente federal.

O ensino fundamental também possui desafios de universalização, assim como o ensino médio.

Analisando a educação brasileira no ciclo básico, podemos apontar como principais desafios a garantia da qualidade do serviço mediante a formação de professores e a disponibilização de infraestrutura capaz de atender os objetivos de desenvolvimento socioemocional de crianças e adolescentes, e a diminuição das disparidades socioeconômicas, raciais e geográficas na distribuição de vagas.

Ainda que reconheçamos os avanços alcançados na construção legislativa de proteção e defesa dos direitos de crianças e adolescentes, o Estado brasileiro tem muito a realizar.

É importante ressaltar que a subnotificação de informações sobre violência contra crianças e adolescentes ocorre em muitos municípios brasileiros –em 2015, 4.544 municípios (82,5%) declararam não possuir qualquer pesquisa ou levantamento sobre a existência de locais de exploração sexual de crianças e adolescentes em seus territórios, por exemplo.

De forma adicional, os desafios que se colocam diante do novo regime fiscal e das limitações orçamentárias do país se configuram como dificultadores à consolidação e manutenção das políticas e serviços existentes. 

Diferentemente do verificado nas três últimas gestões federais (2003 a 2014), onde se consolidou a tendência de ampliação dos gastos públicos com o desenvolvimento social, especialmente com políticas relacionadas a crianças e adolescentes, houve, a partir de 2015, acentuado desinvestimento, sem a reposição das perdas relativas à inflação do período.

Isso importou em menos recursos para as áreas de educação, proteção e saúde para crianças e adolescentes. Em termos percentuais, a participação desses gastos no orçamento federal saiu de 15% (gestão 2011-2014) para 5% (gestão 2015-2018).

Importante que a sociedade brasileira conheça os atuais indicadores e cobre de seus candidatos programas que assegurem os direitos das crianças e adolescentes do nosso país, especialmente dos mais vulneráveis, buscando justiça social no presente e oferecendo adequadas perspectivas para o futuro dessa população.

Denise Cesário

Socióloga com MBA em gestão de projetos pela Esalq (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da USP) e gerente-executiva da Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança e do Adolescente

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