Índice vai revelar práticas da cadeia produtiva da moda de 20 marcas nacionais

Em outubro, estudo global sobre transparência na indústria será lançado no Brasil, 1º a ter levantamento próprio

Rosane Queiroz
São Paulo

O Brasil será o primeiro país a ter um Índice de Transparência da Moda, que será lançado em 11 de outubro. O levantamento rastreou políticas, processos e práticas de 20 marcas de roupas no país.

"O índice é um marco para a moda brasileira, pois trata-se da divulgação pública dos valores e das práticas de sua cadeia produtiva, em busca de uma indústria mais justa e sustentável", diz a estilista e designer Eloisa Artuso, diretora Educacional do Fashion Revolution Brasil. 

O movimento global se dedica a projetos e ações para promover sustentabilidade e ética na indústria da moda. 

Safra de algodão na cidade de Campo Verde (MT)
Safra de algodão na cidade de Campo Verde (MT) - José Medeiros/Folhapress

O Brasil foi o país escolhido para ter seu próprio estudo –desenvolvido pelo Fashion Revolution em parceria com o Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getúlio Vargas– por sua sua grandiosidade no mapa do setor. Com faturamento de US$ 45 bilhões ao ano, o país é o quarto maior parque produtivo têxtil do mundo e o segundo maior produtor de jeans. Emprega 8 milhões de pessoas.

"Empregamos muita gente porque, por mais que haja tecnologia, muitos processos na moda ainda são feitos à mão", diz Eloisa. 

O levantamento global é uma espécie de "visite a nossa cozinha" da cadeia produtiva de roupas e reúne marcas de todo o mundo. 

O índice brasileiro rastreia 20 marcas representativas em volume de negócios e mais lembradas pelo consumidor –do varejo ao luxo, passando pela moda jovem, praia, casual, além de calçados e acessórios. Apenas duas são estrangeiras, a C&A e a Zara. Entre as nacionais estão Havaianas, Hering, Cia Marítima, Lojas Marisa, Casas Pernambucanas, Brooksfield, Osklen e Melissa. 

O Brasil é a última cadeia têxtil completa do ocidente: produz desde as fibras, como o algodão, até os desfiles de moda, passando por fiações, tecelagens, beneficiadoras, confecções e forte varejo.

Autossuficiente na produção de algodão, o país produz 9,4 bilhões de peças confeccionadas ao ano –destas, cerca de 5,3 bilhões em peças de vestuário, conforme dados da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (ABIT). 

"A amostragem do índice traz um panorama relevante, por aproximar as marcas do consumidor e iniciar uma conversa sobre transparência, assunto que traz benefícios a longo prazo para ambos os lados”, explica Eloisa.

Segundo ela, para as empresas, o levantamento servirá como autoanálise e prestação de contas. Para o consumidor, será uma ferramenta para conscientização sobre processos produtivos. 

O Índice de Transparência da Moda Global reúne marcas de todo o mundo, e já teve três edições, desde 2016. O primeiro analisou 40 marcas e o segundo, 100. O mais recente, neste ano, conta com 150 empresas de moda em todo o mundo. 

Não ao trabalho escravo

O tema transparência, segundo a responsável pelo estudo, ainda soa como novidade em terras brasileiras. "Precisamos nos perguntar 'de onde vêm nossas roupas', um questionamento que existe na Europa e nos Estados Unidos há anos, e só agora ganha força no Brasil", compara Eloisa. 

Dentre os resultados que só serão conhecidos em outubro, a diretora do Fashion Revolution Brasil adianta que o estudo nacional foi customizado em aspectos como mão de obra imigrante e feminina, que responde por 75% dos trabalhos na cadeia. 

"O trabalho das mulheres e dos imigrantes, principalmente sul-americanos, na informalidade e em más condições, é um dos problemas que precisamos combater ", explica Eloisa. 

Para Giuliana Ortega, diretora-executiva do Instituto C&A, que promove ações para transformar a moda em uma indústria mais justa e sustentável, os índices de transparência são fundamentais para destrinchar uma cadeia "ramificada e complexa".

São mais de cem processos, desde o cultivo do algodão até a roupa chegar à arara da loja, que envolvem fornecedores, tecelagem, tingimento, estamparia, costura, acabamento, distribuição. 

"Os índices das marcas nos darão pistas de como o produto foi feito, para fazermos melhores escolhas", diz Giuliana. Informações relevantes podem vir na etiqueta da roupa (ver quadro). "Não corte, leia", sugere Eloisa. 

Algodão sustentável

Questionar os preços "baratos" dos importados em relação à moda "made in Brasil" é uma das questões. "Nossa legislação, com todos os problemas, ainda garante direitos trabalhistas importantes e obriga que as empresas tenham uma estação de tratamento de água. O produto sustentável sai mais caro porque promove mão de obra decente, com matérias-primas de baixo impacto. Portanto, o preço irreal é o barato. Alguém está pagando a conta, porque ela não fecha.", diz Eloisa.  

O desafio, a partir do Índice de Transparência da Moda no Brasil, é conscientizar os consumidores para que exijam transparência das marcas que gostam e passem a usar as roupas com os novos valores que a moda está propondo a partir deste ano. "Moda consciente é aquela que respeita as pessoas, o planeta, os processos e as práticas, que não deixa pegada hídrica e é honesta com o consumidor", resume a responsável pelo estudo.  

Diálogos Transformadores

Giuliana Ortega e Eloisa Artuso vão participar da terceira edição de 2018 do "Diálogos Transformadores", que terá como tema "Transparência: Um valor para a Moda e para o Mundo"

O evento multimídia será realizado na terça-feira (4), no auditório da Folha, reunindo especialistas e empreendedores em torno do tema. As inscrições para o público que se interessar estão abertas.

O objetivo do encontro é discutir sobre a transparência na cadeia da moda, conversar sobre estratégias que funcionam, ampliando o diálogo para a necessidade de transparência em todos os setores da sociedade.

Farão parte do painel do evento Marcel Gomes, secretário da ONG Repórter Brasil, cuja missão é identificar e tornar públicas situações que firam direitos trabalhistas e causem danos ambientais, e Leonardo Marques, professor da UFRJ e consultor em gestão no varejo, vestuário e serviços. 

Eles vão debater ainda com Sérgio Andrade, fundador da Agenda Pública e empreendedor da Rede Folha, e Oded Grajew, presidente do conselho deliberativo da Oxfam Brasil, que promove movimento global de luta contra a desigualdade. 

A plateia de cem convidados vai conhecer ainda o caso inspirador de Pedro Ruffier, criador da Movin, marca de roupas que busca soluções para incentivar o comércio justo e sustentável, com design minimalista, tingimentos orgânicos e matérias-primas inovadoras.

O evento será transmitido pelo TV Folha. O conteúdo da discussão será transformado em um minidocumentário para websérie no canal "Diálogos Transformadores".

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