'Só filantropia e governo não irão resolver os problemas', diz investidor social

Executivo de fundo de investimentos diz que contribuir com a sociedade e com o ambiente não ameaça retorno de capital

Bill McGlashan, um dos fundadores e presidente executivo do The Rise Fund, fundo que se busca unir impacto social, ambiental e resultados financeiros - Rafael Roncato/Folhapress
Patricia Pamplona
São Paulo

Face menos conhecida de um fundo de investimento que aplica em empresas que geram impacto social, o executivo Bill McGlashan, 54, afirma que só dinheiro público e filantropia não serão suficientes para resolver os grandes problemas que atingem diferentes países.

“A não ser que usemos a ferramenta escalável e sustentável dos negócios e do comércio para enfrentar desafios no ambiente, na educação, na saúde, não seremos capazes de acompanhar o alcance dessas questões”, disse o executivo à Folha, quando esteve no Brasil para participar do evento GovTech, em agosto.

Com Bono Vox, do U2, e Jeff Skoll, um dos criadores do eBay —e fundador da Fundação Skoll, que incentiva o empreendedorismo social—, McGlashan está por trás do fundo The Rise Fund, lançado em 2017 e que já soma US$ 2,1 bilhões (R$ 8,71 bilhões).

Iniciativas no Brasil já chamaram a atenção do fundo. No ano passado, foram investidos US$ 20 milhões (R$ 82,91 milhões) na Digital House, grupo de escolas de origem argentina que oferece capacitação digital e que abriu as portas em São Paulo em abril.

Empresas como de profissionalização e melhoria nas condições de produtores de leite na Índia ou de diminuição da emissão de carbono nos Estados Unidos também estão no rol de aportes.

McGlashan também é fundador da TPG Growth, plataforma que gerencia cerca de US$ 14 bilhões (R$ 58,04 bilhões) em capital para empresas em crescimento de Índia, Estados Unidos, China, sudeste asiático, África e América Latina.

As cifras são pequenas perto do desafio que ele aponta: atingir os objetivos para um desenvolvimento sustentável  definidos pela ONU (Organização das Nações Unidas).

“Foram as 17 metas que o mundo concordou serem necessárias para alcançar um mundo justo, e a lacuna hoje é US$ 2,5 trilhões [R$ 10,36 trilhões] por ano”, disse. “Somos ainda uma gota no balde.”
 

 

Por que o sr. decidiu investir em empresas que têm potencial para causar algum impacto na sociedade? 

Me convenci de que somente o dinheiro da filantropia e do governo não irá resolver nossos problemas. A não ser que usemos a ferramenta escalável e sustentável dos negócios e do comércio para enfrentar desafios no ambiente, na educação, na saúde, não seremos capazes de acompanhar o alcance dessas questões.

Quais eram as lacunas do setor? 

Uma era escala. A maioria dos fundos de impacto eram pequenos demais para ter todas as ferramentas necessárias para empresas de impacto.
Segundo, e provavelmente mais importante, não havia maneira de realmente medir [o impacto]. Preciso demonstrar que a empresa apoiada gera impacto. Tem de prestar contas de forma que se tenha credibilidade, e não acreditávamos que havia uma maneira suficientemente avançada de medir impacto no mundo.
A terceira era obter retorno financeiro. Muitos pensavam que, para ter impacto, era preciso comprometer o retorno. Não acreditávamos nisso. São necessários negócios sustentáveis e escaláveis para enfrentar os problemas.

Mas há investidores interessados nesse tipo de investimento? 

O problema-chave, historicamente, era essa visão de que, para obter impacto, é preciso comprometer o retorno financeiro. Tive de convencer investidores de que geraríamos os mesmos retornos que vínhamos gerando na TPG Growth, que sempre foram elevados.
O mundo mudou na última década, a maioria do capital quer participar do investimento de impacto. Millennials [nascidos entre o início dos anos 1980 e meados dos 1990] e a geração Z [nascidos na década seguinte] querem que suas vidas tenham impacto, e há essa mesma tendência com o capital.
A chave era explicar que o nosso sistema funcionaria da mesma maneira que um investimento da TPG Growth. Nossa esperança é que, à medida que provarmos o sucesso de The Rise Fund, eles vão querer investir também em outros fundos de impacto.

Por que o sr. acha tão urgente ampliar esses investimentos? 

Os ODS [Objetivos de Desenvolvimento Social, da ONU] precisam de US$ 30 trilhões [R$ 124,36 trilhões] para serem atingidos. Foram as 17 metas que os países concordaram serem necessárias para alcançar um mundo justo, e a lacuna hoje é US$ 2,5 trilhões [R$ 10,36 trilhões] por ano.
Os dólares necessários para cumprir esses objetivos estão além do que podem fazer governo e filantropia. São necessárias empresas e a eficiência dos negócios para nos permitir ser mais efetivos em escalar o capital, mas também em fazer isso com menos dinheiro.
Os US$ 2,1 bilhões [R$ 8,71 bilhões] de The Rise Fund representam um fundo grande, e nosso próximo fundo pode ser o dobro disso, mas somos ainda uma gota no balde.

Quais os desafios para encher esse balde? 

Se o mundo está acordando para a importância do capitalismo, precisamos direcionar as empresas de um jeito que contribuam para sociedade e para o ambiente. Se há um despertar geral, é preciso responder à pergunta: por que não está escalando mais rapidamente?
A chave é demonstrarmos que não é preciso comprometer o retorno [do capital aplicado]. Nós mal começamos e já estamos fazendo um progresso ótimo. Mais investidores precisam começar a investir em outros fundos para fazer o mesmo.

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.