As empresas veem o recurso da Lei Rouanet como delas, e não público, diz atriz

Líder de projeto diz que Simbiose Social leva transparência ao uso de verbas de leis de incentivo

Patricia Pamplona Cristiano Cipriano Pombo
São Paulo

Assim como o sopro da mãe, que ajuda a amenizar a dor de um machucado, Helena Miguel, 31, atua como palhaça em hospitais para humanizar o atendimento com o projeto que fundou há seis anos, o Pronto Sorrir. “O hospital pode ser um lugar que você nunca mais vai querer voltar dependendo da experiência que você tem nele”, diz a atriz.

Ela e seus colegas se vestem de personagens lúdicos para divertir pacientes infantis. Um trabalho que antes era limitado a hospitais privados, mas, após conseguir captar R$ 420 mil com a Lei Rouanet, conseguiu expandir para os estabelecimentos públicos.

Helena Miguel, 31, (centro), fundadora do Pronto Sorrir, ao lado de seus colegas, os atores Melany Kern, 32, e Marcelo Prudente, 32
Helena Miguel, 31, (centro), fundadora do Pronto Sorrir, ao lado de seus colegas, os atores Melany Kern, 32, e Marcelo Prudente, 32 - Renato Stockler

Para isso, ela contou com a ajuda de seu primo, Raphael Mayer, 24, e seu amigo, Mathieu Anduze, 25, em um trabalho que resultou na Simbiose Social, que dá visibilidade a projetos de alto impacto para que consigam captar via leis de incentivo em uma plataforma que reúne o histórico de investimento desde 1991 e é finalista do Prêmio Empreendedor Social de Futuro 2018.

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“Escrevemos esse projeto juntos, em madrugadas, se apoiando para entender, entregando, devolvendo”, lembra a palhaça. “Ganhamos a Rouanet, mas aí começa a labuta mesmo, porque o mais difícil para captar recurso é conseguir falar com o empresário.”

O contexto complexo das leis de incentivo no país, para ela, resulta em perdas para a população. “É uma coisa que precisamos amadurecer de verdade. Valorizar a arte como uma manifestação artística e ter apoio para isso é quase impossível.”

 

Sou formada em licenciatura em teatro na Unesp (Universidade Estadual Paulista) e interpretação na USP (Universidade de São Paulo), trabalho como atriz, palhaça e há seis anos sou fundadora e diretora do Pronto Sorrir, que é uma associação sem fins lucrativos que atua em hospitais pediátricos de São Paulo. 

O Pronto Sorrir surgiu em 2012, para que começássemos a desenvolver um projeto de intervenção dentro dos prontos-socorros, vestidos de personagens fantásticos, para interagir com as crianças. Isso começou devagarzinho. Hoje em dia estamos em pronto-socorro, unidades de internação, UTI e temos um trabalho bem integrado com a rede de humanização para atender da melhor forma o hospital.

Já estávamos havia quatro anos em hospitais particulares. Aí ganhamos nossa primeira Lei Rouanet para estar na Santa Casa, atuando em hospitais públicos com recursos públicos. Você escreve o projeto na lei, que é um sonho que todo mundo quer, idealiza, e, quando é aprovado, você já ganhou o dinheiro, mas é aí que a coisa se atrapalha, ao buscar um patrocinador.

Eu tenho um primo [Raphael Mayer] que estava se formando em administração na FGV [Fundação Getúlio Vargas]. Ele veio me ajudar a escrever a lei junto com o Ma [Mathieu Anduze]. Escrevemos esse projeto juntos, em madrugadas, se apoiando para entender, entregando, devolvendo.

Ganhamos a Rouanet, mas aí começa a labuta mesmo, porque o mais difícil para captar recurso é conseguir falar com o empresário. Você pode saber a empresa, descobrir qual é o lugar que tem tudo a ver com o seu, mas daí você manda email, liga, não tem resposta, é muito difícil chegar no cara que vai te dar oito minutos.

Não importa você falar 5.800 crianças impactadas, levar o teatro para crianças que estão impedidas de ter acesso a equipamentos culturais com mão de obra qualificada, é muito difícil chegar ao patrocinador que vai reverter dinheiro público, de imposto, para esse projeto. As empresas entendem muitas vezes esse recurso como delas, e não um recurso público. 

O Rapha, então, falou que tinha o know how para ajudar a conseguir o dinheiro, a fazer essa ponte. Daí foi surgindo a Simbiose Social. 

O primeiro impacto da Simbiose no meu projeto foi o do apoio, pois no primeiro ano eles fizeram um programa de aceleração, chamaram vários projetos para participar, dentre eles o Pronto Sorrir. Foi uma oportunidade incrível de conhecer vários outros projetos legais e de conhecer uma galera que pensa como você, que está a fim de fazer a diferença e que sabe o corre que é. Porque, às vezes, a gente se sente tão sozinho num país que investe tão poucos recursos em cultura. 

O segundo foi que com eles eu ganhei uma identidade visual do nosso projeto e treinei várias formas de storytelling. Eles deram muito material mesmo para conseguirmos captar esse recurso. Sou prolixa, mas consegui, em oito minutos, apresentar um projeto de seis anos, o meu projeto de vida.

O mapeamento que a Simbiose faz é fundamental. A transparência de ter acesso a todos os projetos aprovados na Lei Rouanet desde 1991, saber quanto cada um captou, que projeto cada empresa impactou, conseguir olhar e entender como funciona esse mercado no Brasil, acho super inovador. Eles fazem quase que um papel público para o brasileiro, um movimento civil que traz um retorno público.

Perdemos muito com essa falta de organização, de abertura da empresa para falar com as pessoas que têm um projeto com a logomarca do Ministério da Cultura só esperando para começar um trabalho sério. O Brasil perde muito. É uma coisa que precisamos amadurecer de verdade. Valorizar a arte como uma manifestação artística e ter apoio para isso é quase impossível.

É um alento para os projetos como o nosso, que atua em hospitais. O hospital pode ser um lugar que você nunca mais vai querer voltar dependendo da experiência que você tem nele, como pode ser um lugar que você pode lembrar até com boas memórias. O Pronto Sorrir busca isso, dar sopro nas feridas para afugentar a dor.

Porque, quando uma criança se machuca em casa, faz uma ferida, e a mãe vem e dá aquele sopro mágico. A mãe está propondo uma brincadeira, um jogo de escolher acreditar na melhora. E esse sopro que faz a criança muitas vezes parar de chorar pode não curar a ferida real, impressa na pele, mas é capaz de curar a alma dela.

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