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Associação de mães busca direitos de crianças com síndrome do vírus da zika

Para lutar por filho com microcefalia, Germana Soares criou a União de Mães de Anjos no Recife

Angela Pinho
Recife e Caruaru (PE)

Ninguém esquece a cena do aniversário de Guilherme no ano passado. Quem conta é sua mãe, Germana Soares, 27.

Família e amigos estavam reunidos em um salão na região metropolitana do Recife. Tinham cantado o parabéns, quando ela levou o garoto no colo para perto do bolo. "Segurei seu braço direito, e ele levantou o esquerdo para pegar a vela. Todo mundo parou e começou a gritar. Foi lindo."

A comoção tem justificativa. Portador de síndrome congênita associada ao vírus da zika, Guilherme tem uma série de dificuldades neurológicas que se manifestam com mais intensidade em um lado do corpo. Poucos meses antes da festa, nem sequer abria a mão esquerda.

Seu movimento no braço, explica Germana, se enquadra em uma série de detalhes que mães de crianças com a condição aprenderam a ver como grandes conquistas.

Entre outros exemplos, está também o dia em que Gleyse Kelly da Silva, 30, viu Maria Giovanna, 3, erguer o tronco por alguns segundos. Ou o instante em que Maria Lucivânia Ferreira, 22, observou Jhonny Pablo, 2, esticar o braço para pegar um brinquedo.

As três mulheres fazem parte da UMA (União de Mães de Anjos), vencedora do Troféu Grão, que reúne mães de 409 crianças com sequelas de infecção do vírus da zika em Pernambuco.

A doença é transmitida pelo Aedes aegypti, mesmo mosquito da dengue, febre amarela e chikungunya. A proliferação do inseto é favorecida em locais com saneamento deficiente --como Pernambuco, estado cujo índice de tratamento de esgoto é de 30%.

Quando contraída pela mãe na gestação, a zika pode causar diversas alterações neurológicas graves no feto. A mais conhecida é a microcefalia, mas as crianças afetadas podem apresentar problemas motores, cognitivos, de visão e de audição.

Segundo o Ministério da Saúde, foram confirmados 3.226 casos no país desde 2015 --quase dois terços no Nordeste. Em Pernambuco, são 456 registros.

As conquistas da mães que integram a organização vão desde os pequenos avanços dos filhos a importantes medidas que elas pressionaram o poder público a tomar. Entre elas, estão a incorporação de medicamentos ao SUS e a prioridade de acesso ao programa Minha Casa Minha Vida às famílias afetadas.

"Percebemos que, como fomos vítimas do descaso do poder público, deveríamos ser a prioridade da prioridade", diz Germana.

A história da UMA começou no dia 22 de dezembro de 2015, data em que Germana conheceu Gleyse, arrecadadora de pedágio que tinha três filhos quando descobriu a quarta gestação.

O caçula era bebê. "Entrei em depressão e chorava muito, até que soube que esperava uma menina. Era meu sonho", diz Gleyse. No quinto mês de gravidez, descobriu que Maria Giovanna tinha uma deficiência. No sétimo, que era microcefalia.

Já Germana havia tentado engravidar por seis anos. Conseguiu no ano da zika e da crise econômica. No sexto mês da gestação, seu então companheiro perdeu o emprego. Quando Guilherme nasceu, foi diagnosticado com a síndrome.

Na fila do Hospital Universitário Oswaldo Cruz, as duas, entre um atendimento e outro, trocaram telefones. Fizeram um grupo de WhatsApp com mais seis mães.

Começaram a trocar informações sobre mutirões de atendimento, remédios e outras dúvidas comuns. Em grupo, pensou Germana, teriam mais força ao exigir ações do poder público. Partiu em busca de casos no interior.

Procurou uma emissora de rádio de Caruaru e 19 mães apareceram para a primeira reunião. Uma delas era Bárbara Ferreira da Silva, 30, que tinha acabado de receber o diagnóstico do filho. "Vi que era uma mãe muito guerreira e quis ajudar", conta Bárbara, hoje líder da UMA para o agreste do estado.

De rádio em rádio, a associação chegou ao sertão e hoje tem mãe de Recife a Petrolina, a 713 km da capital. Segundo a fundadora, a abrangência faz toda a diferença. "Quando vou a algum lugar, chego com força. Sou Germana, mãe de Guilherme, e represento mais de 400 mães."

Fazem parte de sua rotina à frente da UMA reuniões com prefeitos, secretários e promotores para a incorporação de remédios e tratamentos.

Uma das conquistas é a inclusão do anticonvulsivante levetiracetam na lista do SUS. Ao falarem umas com as outras, as mães da UMA perceberam que o medicamento era um dos mais eficazes para seus filhos e resolveram pressionar pela incorporação.

Outro marco da associação foi a doação de uma casa por uma empresária do Recife que quer se manter anônima. Contribuições voluntárias como essa e campanhas de arrecadação são a principal fonte de receita da entidade.

Na sede, alimentação e hospedagem são oferecidas a famílias de outras cidades que precisam vir para a capital em busca de tratamento. Entre os voluntários estão a mãe e o pai de Germana --uma exceção masculina, já que a maioria dos companheiros saiu de casa após o nascimento de filhos com sequelas da infecção pelo vírus da zika, de acordo com levantamento da associação.

Nos múltiplos papéis de mães, pais e cuidadoras, elas fazem barulho. "Quero mostrar que meu filho existe, que eu existo, e que este país, estado e município também existem para mim", diz Germana.

Para médio e longo prazo, os objetivos são criar um centro de reabilitação na sede da entidade e a aprovação de lei que dá pensão às famílias.

Se o futuro é incerto, no curto prazo, efeitos da articulação de mulheres já são perceptíveis, segundo a infectologista Regina Coeli, que acompanha cerca de 120 crianças com a síndrome. "Algumas me surpreenderam nesses três anos", diz. "Há as que não sustentam a cabeça, mas algumas andam, compreendem e dão beijinho. A evolução é pela garra das mães."

Prestes a fazer aniversário de novo, Guilherme, além de mover o braço, anda com apoio, conta até quatro e chama Germana de "inha", seu jeito de falar "mãinha".

Maria Giovanna, filha de Gleyse, se alimenta pela boca e já chora bem menos. "Um dos meus sonhos é que ela ande e fale", diz a mãe. "Mas, como dizemos na UMA, se eles não falarem, a gente fala por eles. Se não andarem, a gente anda por eles."

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