Empreendedor pop troca venda de salada por formação em favelas

Preferido do público, finalista de prêmio da Folha responde a queixas trabalhista em projeto

Eliane Trindade Ana Estela de Sousa Pinto
São Paulo

Com seu carisma e um negócio inovador de levar alimentação saudável para favelas, Hamilton Silva, 30, venceu a Escolha do Leitor, categoria popular do Prêmio Empreendedor Social 2017. Teve 56% da preferência do público, com 219.360 votos.

Um ano depois, o empreendedor social oriundo da base da pirâmide, nascido em Nova Iguaçu e criado em Nilópolis, subúrbios do Rio, passa por um teste de fogo.

Em 22 de novembro, a Agência Pública divulgou reportagem com o título “Mérito Fake”, resumida como “personagem premiado por empreendedorismo social teria forjado histórias e abandonado projetos e parcerias”.

Diante de relatos de ex-parceiros e ex-funcionários do Saladorama no Recife, que acusam Hamilton de não cumprir acordos, não honrar pagamentos e descontinuar projetos, a Folha revisitou o caso.

Foram procuradas personagens de reportagem e documentário produzidos pelo jornal, que o retratam como um dos três finalistas de 2017 do Empreendedor Social de Futuro. Em estágio embrionário e testando seu modelo de negócio, o Saladorama foi superado pelos concorrentes na avaliação do júri, quando analisados critérios de impacto e sustentabilidade financeira. 

Formação do Instituto Saladorama realizada em Heliópolis, zona sul de SP
Formação do Instituto Saladorama realizada em Heliópolis, zona sul de SP - Reinaldo Canato/Folhapress

No momento da avaliação, não havia queixas contra Hamilton, conforme diligência realizada pela Folha e pela consultoria Plano CDE, referência em avaliação de projetos e negócios sociais. O finalista havia acabado de passar pelo programa Red Bull Amaphiko, que apoia empreendedores sociais por meio de mentoria de 18 meses. 

Na esteira da premiação, o projeto também foi um dos seis selecionados entre 362 inscritos em um edital da Coca-Cola voltado para nutrição e alimentação saudável.

Ao longo do último ano, no entanto, o empreendedor passou por percalços financeiros e de gestão. Em setembro de 2017, Jannaína da Silva acabara de ser contratada para tocar a cozinha do novo restaurante do Saladorama, na favela de Nova Descoberta, zona norte do Recife. O local estava sendo pintado e preparado para o início das operações, que duraram quatro meses.

 Ao ser questionada sobre a experiência, a ex-cozinheira disse que “Hamilton pagou algumas coisas, mas não tudo”. Ela declarou à Agência Pública que ganhava entre R$ 300 e R$ 500 e teria três salários pendentes. À Folha, não mencionou valores. “Falei para o Hamilton que o que ele pudesse pagar estava bom. Estou precisando.”

Segundo o empreendedor, Jannaína e uma segunda cozinheira, Rebeca da Silva, foram contratadas por quatro meses. “Não temos nenhum tipo de dívida em relação ao contrato.” Após queixas de Rebeca quanto aos custos para abrir uma MEI a pedido do Saladorama, Hamilton vai pagar os R$ 900 em três parcelas. 

Já Mayara Menezes, 25, fundadora da rede Monalisa, acusou o Saladorama de não tocar o curso de formação voltado para trans e travestis do Recife, cuja aula inaugural foi acompanhada pela Folha.

“Não houve todas as aulas previstas e Hamilton nunca apareceu no curso, a não ser na filmagem para a Folha”, afirma a ex-parceira. Hamilton admite “falha de comunicação”. “Elas esperavam que eu estivesse nas aulas, mas outras pessoas me representavam. Houve conflitos e preferimos encerrar a parceria.” 

Pollyanna Monteiro, 31, ex-gestora do Saladorama no Recife, também aponta problemas. “Eles pagaram nutricionista e material impresso, mas paguei muita coisa do meu bolso”, diz Pollyana. “A cozinha não funcionava, improvisaram mesas e cadeiras. Por isso, saí do Saladorama. A história do Hamilton é interessante. No início, eles estavam fazendo as coisas, mas se perderam no meio do caminho.”

Hamilton afirma ter passado por “dificuldade financeira gigante”. “Tivemos problemas para acertar os valores. Colocaram o meu nome e CNPJ como MEI no cartório. Estou correndo para quitar tudo até o fim do ano.” Diante da falta de recurso, Hamilton diz que “para não colocar os pés pelas mãos” achou melhor repensar todo o modelo do Saladorama.

“O projeto deixou de ser de delivery de saladas e passou a ser de formação em alimentação saudável e empreendedorismo. Decidimos vender formação e ceder a marca para quem quiser empreender por conta própria”, explica.

A inovação do Saladorama estava na venda de alimentos saudáveis para comunidades periféricas. “Estamos fazendo uma transição de modelo para outro e não conseguimos fazer uma comunicação clara para todo mundo.”

No momento, o Saladorama está tocando três turmas de formação, com 15 alunas em Heliópolis (SP), e 32 em comunidades do Recife, divididas em 12 em Nova Descoberta, e 20 no bairro de Ibura.

“O curso de 2017 aumentou a inserção de algumas das alunas no mercado”, afirma Matheus Galindo, gerente de empregabilidade da Prefeitura do Recife, que pretende ampliar o trabalho com o Saladorama para outras regiões. “Neste ano abrimos duas turmas no bairro mais populoso de Recife, o Ibura, com foco em capacitar mulheres da periferia para gerar renda.”

A avaliação de Galindo sobre a parceria com Hamilton é a de que “houve percalços de estrutura, parceiros que não cumpriram fornecimento de gás, utensílios, matéria-prima”. “No fim tudo foi solucionado, com um pouco de boa vontade”, resume.

Hamilton diz que está migrando todas as operações para o Instituto Saladorama. “Tivemos que dar alguns passos para trás para estruturar.” Segundo ele, o site de venda de saladas continua no ar para ser usado pelas alunas que queiram empreender. “Queremos centralizar todas as vendas pela página que já existe.”

Os restaurantes e o serviço delivery continuam funcionando no Rio e em Florianópolis. Sobre o Saladorama na capital catarinense, ele admite que é um restaurante comum, que funciona hoje na zona central. Segundo Hamilton, no Rio, a ideia é passar o negócio para o atual gestor, e funcionar como trailer no morro Santa Marta. “Estamos passando o negócio para ele, de papel passado.”

Em São Paulo, a atual parceira do Saladorama é Cristiana Né Freire, que há dois anos abriu a Coolabora, uma aceleradora de negócios comunitários. Contratada pelo Instituto Saladorama para o primeiro ciclo de formação em saúde e bem-estar em Heliópolis, é vinculada ao Movimento Coletivo Coca-Cola, de cujo edital o Saladorama participou.

As aulas de formação acontecem às segundas e quartas, das 9h às 11h, e vão até 21 de dezembro. O Saladorama acabou de passar por visita técnica, prevista no edital. “Eles cumpriram todas as etapas, apresentaram indicadores, tudo consistente com os relatórios”, afirma Andrea Mota, diretora de sustentabilidade da Coca-Cola. “Como os demais participantes, há pontos de atenção que vão ser trabalhados, o que é normal em todos os projetos.” 

A Folha esclarece que o vídeo e as reportagens sobre o Saladorama são radiografias de um momento da startup, que estava testando o seu modelo de negócio. “Todo empreendedorismo começa com um sonho. Às vezes, este sonho demora muitos anos para poder se concretizar, e é precedido por inúmeras tentativas frustradas”, explicam Maurício Prado, diretor-executivo, e Breno Barlach, gerente de projetos, da Plano CDE, em artigo sobre o caso escrito à pedido da Folha.

Não há acusação formal ou processo público que justifique a abertura automática de processo de avaliação da permanência de Hamilton na Rede Folha de Empreendedores Socioambientais.

O Comitê Organizador do Prêmio Empreendedor Social criou uma comissão para fazer acompanhamento do caso Saladorama. 

Dois membros da Rede Folha vão atuar como mentores de Hamilton nos próximos seis meses: Lina Useche, da Aliança Empreendedora, e Roberta Faria, da Editora Mol. Tomás de Lara, do Sistema B e ColaborAmerica, e Paula Storto, da SBSA Advogados, foram convidados para atuar como conselheiros e dar transparência ao processo.

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