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Empresas podem e devem procurar soluções para questões sociais

Claudia Buzzette Calais

O ser humano tem um potencial incrível para transformar, mas muitos ainda são céticos em relação a isso. Na minha atuação no terceiro setor, primeiro na formação de comunicadores populares na região metropolitana de Vitória e interior do Espirito Santo, e, há 17 anos, à frente da Fundação Bunge, que coordena projetos educacionais e de desenvolvimento territorial em várias regiões do Brasil, tenho percebido que o maior desafio é conscientizar as pessoas e as empresas envolvidas sobre o valor do indivíduo como agente transformador.

A questão é que muito do que deveria ser considerado uma tarefa para a razão humana, como o espírito colaborativo e a solidariedade, tem perdido espaço para a cultura do individualismo. A falta de empatia, esse exercício de se colocar no lugar do outro, tem nos distanciado e diminuído a cooperação, seja no campo político, no mundo corporativo ou no nosso dia a dia enquanto cidadãos.

Apesar disso, sempre acreditei que o relacionamento e a comunicação são caminhos certeiros para trazer a consciência de cidadania e reconhecer o outro como capital humano. Questões como estas nos ajudam a refletir sobre estratégias e modelos de negócios sociais. 

Durante meu envolvimento com ações sociais nas comunidades capixabas, compreendi que a inquietação e a busca pelo novo são a base para qualquer compromisso social. Para mudar, precisamos assumir o protagonismo nas ações e nos responsabilizar por elas.

Empresas, instituições e governos são feitos por pessoas e, principalmente, por suas decisões e ações. Por isso, em 2011, encorajei-me a aceitar o desafio de assumir a direção dos projetos da Fundação Bunge, hoje considerada uma das principais instituições sem fins lucrativos do Brasil. 

O nosso primeiro desafio na área de projetos sociais (nosso porque a iniciativa envolveu todos os colaboradores e porque sesponsabilidade social é um trabalho coletivo) foi buscar maior interação entre as ações sociais que a instituição desejava desenvolver e as atividades de negócios da empresa mantenedora (Bunge Brasil, empresa atuante no setor de agronegócios e alimentos).

Foi preciso analisar os impactos da chegada dos novos empreendimentos a territórios onde havia demanda por infraestrutura e serviços e traçar ações que convertessem impactos em oportunidades para a população local e para o negócio. Precisávamos investir e desenvolver o conceito de valor compartilhado.

Criamos um programa que visa orientar o investimento social privado de forma articulada e conectada com as comunidades a partir de ações planejadas e baseadas em diagnósticos e da criação de um plano de gestão integrada, envolvendo a empresa, o município, sociedade civil e entidades.

Com diversos setores envolvidos, desenvolvemos uma agenda comum de trabalho pautada pelo diálogo e pela atuação partilhada, utilizando expertises das diversas partes nas soluções dos desafios em comum e fazendo jus ao nome da iniciativa: Comunidade Integrada, um dos principais programas sociais da Fundação Bunge, atualmente desenvolvido em sete municípios de três estados brasileiros, beneficiando direta ou indiretamente milhares de pessoas. 

Desde então, o diagnóstico das demandas sociais e ações para estimular a participação popular em projetos sociais têm sido o nosso maior desafio, pois, para cada caso, existe um caminho diferente a ser seguido.

Em comunidades do interior do Pará, por exemplo, onde pretendíamos oferecer cursos de capacitação para melhoria do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), foi preciso, primeiro, enfrentar um desafio muito mais grave: a exploração sexual infantojuvenil.

A pobreza extrema e a falta de oportunidades são os principais fatores que levam à violação dos direitos de meninos e meninas no Brasil, mas, neste caso, além destes motivos, constatamos que, para uma grande parcela dos moradores dessas regiões, a exploração sexual de crianças e adolescentes não era percebida como de igual gravidade aos demais pontos citados. 

Além de um trabalho de conscientização, foi necessário o apoio a políticas públicas, fortalecendo instâncias do poder público focadas na proteção da criança e do adolescente e ações voltadas à criação de oportunidades sociais, econômicas e culturais para as comunidades.

Outra ação desenvolvida foi o treinamento de caminhoneiros e aquaviários como multiplicadores dos direitos da criança e do adolescente, uma vez que as regiões atendidas contam com grande fluxo de transporte fluvial de carga e de pessoas. Eles foram os responsáveis por compartilhar os ensinamentos recebidos com o objetivo de ampliar a rede de proteção por meio de agentes transformadores. 

Além disso, foi possível implementar programas de empreendedorismo, desenvolvendo novas cadeias de geração de renda que contam com a biodiversidade local, e os cursos de capacitação, atualmente voltados para jovens e mulheres que atendem às demandas do mercado local. 

Já na cidade de Rondonópolis, no interior do Mato Grosso, estamos lidando com os desafios de formação e inclusão de jovens e pessoas com deficiência no mercado de trabalho. 

Um diagnóstico do território nos trouxe o desafio: o cumprimento de duas importantes leis para inclusão (Lei da Aprendizagem, que determina que todas as empresas de médio e grande porte devem contratar de 5% a 15% de jovens entre 14 e 24 anos; e a Lei para Pessoas com Deficiência, que garante a inclusão no mercado de trabalho de pessoas com algum tipo de deficiência).

Neste caso, a comunicação entre diversos setores do município está sendo primordial para a formação de uma rede de trabalho na qual as ações são pensadas, construídas e implementadas em conjunto. O primeiro passo, antes de oferecer cursos e oportunidades à comunidade, é sensibilizar os principais agentes de transformação nesta iniciativa: empresariado, poder público, instituições e associações do município. Mais de 30 instituições, entidades e empresas já estão envolvidas neste projeto. 

O programa Comunidade Integrada é uma prova de que dar vez e voz à comunidade funciona e traz resultados importantes para os programas sociais e os negócios. As comunidades e as empresas fazem parte de um mesmo processo e é muito importante que o mundo corporativo entenda o seu papel na sociedade e a sua função de agente de transformação.

Por outro lado, também é preciso que a comunidade se associe na busca do desenvolvimento econômico e bem-estar social. Costumo dizer que só é possível construir o futuro com atenção ao passado e ações responsáveis no presente. É preciso ter capacidade de leitura de cenários!

As empresas podem e devem pensar além de empregos e impostos e precisam propor soluções para questões sociais porque a busca destas também passa pelo enfrentamento de seus problemas. O poder público, por sua vez, deve fazer parte deste processo e a sociedade exercer o seu papel de fiscalização.

Precisamos urgentemente assumir o nosso protagonismo e pararmos de nos esconder atrás de branding e cargos. Não existem empresas, diretores e CEOS. O que existem são pessoas que definirão por meio de seus atos e ações como serão as empresas, os diretores, os CEOs e a sociedade. A decisão está nas mãos de cada um.

Claudia Buzzette Calais

Jornalista pós-graduada em comunicação empresarial pela Fundação Cásper Líbero e com MBA em Gestão em Sustentabilidade pela Fundação Getúlio Vargas. É diretora-executiva da Fundação Bunge, entidade social da Bunge Brasil que desenvolve projetos nas áreas socioambiental, incentivo à excelência e ao conhecimento sustentável e preservação da memória

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