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Modelo híbrido é alternativa para sustentabilidade de organizações civis

Glaucio Gomes

Lembro que, há 15 anos, quando comecei minha jornada nesse universo do empreendedorismo social, o foco do debate sobre a viabilidade econômica do crescimento do terceiro setor no Brasil era a formação de uma comunidade filantrópica nacional que pudesse gradativamente complementar e substituir fontes internacionais de financiamento. 

Era, então, um momento de consolidação de conceitos como responsabilidade social corporativa e investimento social privado entre as empresas, de cogestão de políticas públicas pelos governos e de reconhecimento pelas organizações do terceiro setor da urgência de sua profissionalização. 

Também já era evidente a importância das ONGs para ampliação das redes de proteção social e de apoio ao desenvolvimento em todo o Brasil para suportar a efetivação de direitos e pressupostos previstos na Constituição Federal de 1988.

Ao longo desses anos, no entanto, foi ficando mais claro que o crescimento do terceiro setor superou largamente o da comunidade filantrópica brasileira. A demanda por recursos seguiu sendo muito maior do que a oferta de canais de financiamento. Especialmente na iniciativa privada –seja pelo modelo de investimento social estratégico ou da oferta de doações, de forma mais tradicional. 

Modelo híbrido como alternativa 

Modelos alternativos de geração de receitas são essenciais para a sustentabilidade das organizações da sociedade civil. Um desses modelos é a consorciação de formas tradicionais de captação de recursos (doações e investimentos sociais) com estratégias de negócios, de comercialização de produtos e serviços. As diferentes fontes de receitas se complementam e permitem que a organização avance em sua missão. Trata-se, portanto, de um modelo híbrido. 

Instituições que atuam nesse modelo operam em duas frentes simultâneas: programática, em que desenvolvem projetos orientados exclusivamente para sua missão usando recursos captados através de doações e investimentos sociais; e negocial, em que fornecem produtos e serviços no mercado, aproveitando suas expertises.

Os resultados financeiros positivos de suas operações de negócios são integralmente direcionados para custear sua estrutura, sua administração e para complementar os recursos mobilizados para realização de seus programas. Não há nenhum tipo de distribuição de lucro entre sócios, portanto, sendo totalmente reinvestido em atividades geradoras de benefícios e impactos sociais, para o cumprimento de sua missão.

Também permitem à organização fazer investimentos em áreas estratégicas para o desenvolvimento institucional: em comunicação, marketing, avaliação e capacitação interna, por exemplo. Vale notar que ao custear com recursos próprios sua estrutura e administração, a organização já oferece contrapartida significativa a seus doadores e investidores sociais.

A Adel (Agência de Desenvolvimento Local) atua há mais de dez anos no Nordeste do Brasil promovendo o desenvolvimento local de comunidades rurais por meio do empreendedorismo e do protagonismo de jovens e agricultores.

Há três anos percebeu que as tecnologias socioambientais e metodologias que desenvolve e seu conhecimento profundo sobre desenvolvimento local eram ativos com valor de mercado para empresas, governos e outras organizações que tinham em suas próprias estratégias de negócios demanda por essas expertises.

Não motivados por responsabilidade social apenas, mas por necessidades relativas às suas operações e aos seus modelos de negócios. Nesse momento, a Adel passou a se relacionar com esses stakeholders não como apoiadores e doadores, mas como clientes. 

Hoje, a Adel conta com um portfólio de clientes, para quem presta serviços de consultoria, assessoria, pesquisa e treinamento em estratégias e projetos de desenvolvimento local e sustentabilidade, com ênfase em geração de resiliência e difusão de tecnologias.

Cerca de 60% de sua receita é composta por operações de negócios, permitindo à organização investir em qualificação e expansão de seus próprios programas orientados para missão. Além de permitir esses investimentos, essa estratégia tem sustentado a estruturação e o crescimento institucional da Adel nesses anos. 

lições aprendidas

Três fatores têm sido cruciais para o sucesso da experiência da Adel com modelo híbrido. 

Primeiramente, foi essencial investir muito em profissionalização e desenvolver capacidades internas para gerir contratos, negociar com clientes e entregar produtos e serviços com eficiência e excelência. Foi importante desenvolver cultura institucional adequada para ser uma organização competente para lidar com clientes e gerir negócios.

O segundo fator essencial foi a adoção de uma estrutura organizacional com separação clara, em nível de governança, das áreas responsáveis pela gestão de programas e pela gestão de novos negócios.

Foi criada uma Diretoria de Negócios especificamente dedicada e preparada para desenvolver o portfólio de negócios da organização, com autonomia técnica e com mentalidade ajustada para o ritmo administrativo e gerencial exigido nas relações com mercados. Isso sem afetar a área programática, por sua vez organizada para implementar programas orientados para missão institucional e para se relacionar com doadores e investidores sociais.

O terceiro fator foi a determinação clara e transparente, desde o primeiro momento, de valores institucionais incondicionais. Princípios e limites éticos, técnicos e políticos para garantir que os propósitos expressos na missão e na visão da organização fossem sempre considerados, de modo prioritário, nos momentos de tomada de decisões em sua frente de novos negócios.

Isso é essencial para que a organização mantenha sua base social mobilizada, como uma ONG, e para que siga sendo consistente e coerente em sua história e com sua estratégia político-pedagógica. Houve oportunidades recusadas pela Adel por conta de não-alinhamento entre os valores institucionais e as condições comerciais ou de operação do negócio proposto. 

É bom destacar que, no fim do dia, consistência é o principal patrimônio de uma organização da sociedade civil, o que lhe confere credibilidade e confiabilidade, sem as quais dificilmente conseguirá seguir existindo.

Glaucio Gomes

Diretor de Desenvolvimento da Adel (Agência de Desenvolvimento Local), que integra a Rede Folha de Empreendedores Socioambientais

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