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Urge regulamentação de doação a projetos incentivados de direitos da criança

Laís de Figueirêdo Lopes Ana Luísa Ferreira Pinto

Entre as fontes de receita dos direitos da criança e do adolescente estão as doações com incentivo fiscal de dedução de imposto sobre a renda de pessoas físicas e jurídicas. Em artigo anterior publicado em dezembro de 2017, falamos das ameaças aos recursos caso o estímulo à doação vinculada a determinado projeto venha a ser impedido na gestão dos Fundos de Infância e Adolescência no país.

Em ação civil pública interposta pelo Ministério Publico Federal, houve decisão da 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da Justiça da 1ª Região, em outubro de 2017, no sentido de que o doador não deveria indicar a destinação da verba autorizada pelo Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente). A União interpôs recurso especial pendente de julgamento no STJ (Superior Tribunal de Justiça). 

O que está em disputa na ação do STJ? 

O ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) delega ao conselho gestor a competência para fixar critérios de utilização das receitas dos fundos. Os conselheiros elegem as linhas prioritárias e os parâmetros para uso dos recursos depositados no fundo são previstos no edital, que segue a lei 13.019/2014 e leva em conta as normas gerais de política pública e legislação vigentes referente aos direitos da criança e do adolescente. 

Os projetos são escolhidos pelo conselho, que o aprovam ou não a partir da conexão com o edital em específico e emitem a chancela a entidades privadas que autoriza a destinação direta de recursos. Após a aprovação do projeto pelo conselho, são as próprias organizações que empreendem esforços para captar os recursos deixando parcela ao fundo geral que posteriormente publica edital de chamamento para acesso a estes recursos. 

A lista de projetos aprovados na seleção pública feita pelo Conselho conforma o universo possível de escolha do doador a ser apoiado financeiramente com a sua destinação, o que descaracteriza o argumento de que seria a doação vinculada ato unilateral e eminentemente privado de escolha do doador. 

​É de responsabilidade única e exclusiva do conselho definir prioridades para a aplicação dos recursos captados, inclusive para os captados de forma direta, sendo esse mecanismo de captação objeto de decisão soberana pelo seu plenário, nos termos da legislação vigente. 

Para o Ministério Público Federal, embora o ECA tenha conferido aos Conselhos da Criança e do Adolescente a prerrogativa de fixar critérios de utilização dos recursos, não há autorização expressa de participação de particulares na gestão dos recursos dos fundos, o que fere o princípio da legalidade. Dispositivo claro na lei completaria a lacuna apontada no destino das verbas do fundo. 

O arranjo institucional foi responsável pelo incremento de recursos na área e não deve ser desmontado por interpretação restritiva de direitos. A ação chegou em outubro de 2018 ao Superior Tribunal de Justiça. Espera-se que haja a reforma a decisão do TRF1 que vai ao encontro aos avanços obtidos nesse campo. 

Proposta legislativa para regulamentar a doação vinculada

O Conanda tem acompanhado de perto o imbróglio, e em fevereiro de 2018 aprovou o encaminhamento de uma proposta de alteração do art. 260 do ECA que prevê o mecanismo das doações de IR a projetos aprovados pelos conselhos, gestores dos respectivos fundos nacional, estaduais e municipais, delegando a estes a regulamentação.

O deputado federal Eduardo Barbosa (PSDB-MG) apresentou em junho de 2018 o projeto de lei 10.433  para definir normas que regulamentem as contribuições aos fundos dos direitos da criança e do adolescente. Com efeito, o projeto pretende suprir a lacuna de regulamentação quanto à captação de recursos por meio da doação vinculada. 

O PL objetiva introduzir ao ECA as normas para regulamentar a doação vinculada. Propõe que é facultado ao doador indicar a destinação de sua preferência para a aplicação dos recursos doados, a qual poderá ser objeto de termo de compromisso elaborado pelo respectivo conselho. 

Contempla as disposições do Conanda e estabelece que é facultado aos conselhos chancelar projetos mediante edital específico. Atualmente o PL aguarda designação de relator na Comissão de Seguridade Social e Família.

Oportunidade de colocar uma pá de cal na questão 

Em nosso entendimento, as doações vinculadas ampliam os recursos destinados para a execução de políticas públicas dos direitos das crianças e adolescentes, contando com a participação da sociedade neste financiamento complementar, e facilitando o controle e acompanhamento das ações e resultados dos projetos, programas próximos de sua realidade. 

Os recursos são vinculados obrigatoriamente à aprovação prévia pelos conselhos que escolhem os projetos em seleção pública a partir de seus planos de ação tal qual disposto na lei.

Permitir que o doador escolha o destino da doação e eleja entre os constantes da lista de projetos aprovados aquele que mais lhe condiz e que deveria ter uma preferência na recepção dos recursos, não retira dos conselhos a decisão de aprovação ou não e nem privatiza a decisão. 

A criação dos referidos conselhos objetivou descentralizar e democratizar o ciclo de gestão da política pública. Permitir e regulamentar a doação vinculada é também reforçar a ideia de que as decisões administrativas no poder público podem ser tomadas com participação da sociedade. 

A apresentação do projeto de lei veio em boa hora, resolvendo-se a questão e corroborando o incentivo às políticas para crianças e adolescentes. Em tempos de escassez de recursos, não se pode abrir mão do financiamento de projetos de interesse público e políticas públicas de promoção dos direitos das crianças e dos adolescentes executados pelas organizações da sociedade civil no país. 

Laís de Figueirêdo Lopes

Advogada e sócia de Szazi, Bechara, Storto, Rosa e Figueirêdo Lopes Advogados, liderou a construção do MROSC (Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil) no governo federal como assessora especial na Secretaria-Geral da Presidência da República de 2011 a 2016

Ana Luísa Ferreira Pinto

Supervisora jurídica da área de projetos sociais do Escritório Modelo Dom Paulo Evaristo Arns, da PUC-SP

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