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Voluntário, um profissional que agrega valor ao Brasil

O fundador da Associação Viva e Deixe Viver participa de sessão de contação de histórias no Hospital Emílio Ribas, em São Paulo
O fundador da Associação Viva e Deixe Viver participa de sessão de contação de histórias no Hospital Emílio Ribas, em São Paulo - Renato Stockler - 10.out.2018/Na Lata
Valdir Cimino

Em tempos de altos índices de desemprego e diante da certeza de que, com as tecnologias emergentes, teremos que nos reinventar como empregados e empregadores, é urgente a discussão sobre as novas relações de trabalho.

Cada vez mais diminui a capacidade das empresas de contratarem funcionários regidos pela CLT, ao mesmo tempo em que aumenta o volume de prestadores de serviços atuando como pessoas jurídicas. 

No segundo trimestre de 2018, a subutilização da força de trabalho foi de 24,6% da população, ou seja, 27,6 milhões de brasileiros, segundo dados do IBGE, não tiveram acesso a postos de trabalho. Esse indicador inclui os desempregados (cerca de 13,2 milhões), os subocupados (que trabalham menos de 40 horas semanais) e a força de trabalho potencial (pessoas que gostariam de trabalhar, mas não procuraram trabalho, ou que procuraram, mas não estavam disponíveis para trabalhar).

Há, ainda, um grande número de desocupados, classificados como desalentados pelo IBGE. Trata-se de um grupo de pessoas com mais de 14 anos, que entram na estatística porque desistiram de procurar emprego. Esse grupo, atualmente, é formado por 4,8 milhões de brasileiros, contingente equivalente à população inteira da Irlanda. 

Some-se a esse cenário de desocupação a vontade humanística de fazer algo pela melhoria do bem-estar comum e está composto o ambiente perfeito para o crescimento do trabalho voluntário. E, quando falamos em voluntariado, estamos nos referindo à doação de tempo e de competências por parte de pessoas capacitadas constantemente para fazer isso da maneira correta, o que isso nada tem a ver com assistencialismo.

Reconhecido pela ação em diversos setores da sociedade, o voluntariado vem adquirindo características empreendedoras, pois não mais se restringe à filantropia e à solidariedade. Avança, ocupando cada vez mais espaços de formação, educação, saúde e promoção da cultura.

Nesse ponto, a Associação Viva e Deixe Viver, de contadores de histórias para crianças hospitalizadas, se diferencia por imprimir profissionalismo à ação voluntária. A começar pelo curso de capacitação e pelo ensino continuado que oferece aos candidatos interessados em atuar em sua rede.

Toda a formação se baseia na fórmula dos três Cs: consciência, ao investir em uma causa social; compromisso com os beneficiados, com a instituição parceira e com você, cidadão; e constância na oferta dos serviços. 

Ao longo de seus 21 anos de existência, a Associação Viva tem sido pioneira em várias iniciativas em favor da profissionalização do trabalho voluntário, contribuindo para transformar horas qualificadas em resultados relevantes. Foi, por exemplo, a primeira a tratar de um tema urgente e pouco explorado no mundo corporativo: a valorização da hora qualificada do voluntário.

O cálculo foi norteado por exemplos internacionais, como a política pública apresentada pela organização Independent Sector, dos Estados Unidos, e contou com o apoio do Instituto Qualibest por dez anos. 

Os voluntários são uma extensão indispensável da força de trabalho, mas, no Brasil, sua contribuição era excluída da contabilidade das empresas. Lutar para a mudança desse quadro fez da Associação Viva um agente fundamental nas discussões que resultaram no avanço do marco legal do terceiro setor, que determina a inclusão da produção do capital humano no balanço fiscal das empresas. 

Atribuir um valor econômico ao voluntariado é uma forma de entidades sem fins lucrativos, como a Associação Viva, avaliarem de modo tangível os benefícios gerados por seus colaboradores. Para ter um parâmetro do impacto do capital humano na nossa rede, realizamos várias pesquisas e chegamos ao valor médio mensal do trabalho dos nossos voluntários, que é de R$ 228,12. 

Neste ano, captamos pela Lei Rouanet R$ 1,5 milhão, a quantia mínima necessária à nossa sobrevivência. Mas os recursos provenientes do trabalho voluntário representam o triplo desse valor. O capital humano doado por nossos voluntários foi de R$ 2.619.313,54.

Esse montante, somado às despesas extras que eles desembolsam para desenvolver seu voluntariado (R$ 1.986.851,55 relativos a transporte e alimentação, por exemplo), resulta na cifra de R$ 4,5 milhões.

Para a realização do cálculo do valor do trabalho voluntário, o Independent Sector propõe a média do quanto ele receberia caso estivesse atuando em sua profissão, como médico, professor, advogado, bombeiro, etc.

A entidade divide esse valor por uma Taxa de Comercialização, que seria a remuneração média por hora, ancorada na tarefa executada pelo voluntário e no quanto ele seria remunerado pelo mercado. Ou seja, a soma da média salarial do voluntário, mais a média do trabalho que ele está desempenhando, calculado com base no mercado, resulta no valor da hora do trabalho voluntário. 

Avaliar o valor da hora do voluntário de acordo com suas características profissionais e socioeconômicas é uma prática comum em países como os Estados Unidos. O Independent Sector, por exemplo, propõe um valor único (média por estado e nacional), atualizado anualmente. 

No Brasil, não temos ainda uma indexação para o custo da hora voluntária, mas as discussões deixam claro não ser possível atrelar esse indexador aos valores estabelecidos pelos conselhos profissionais às quais os voluntários eventualmente pertençam, especialmente pela variedade de profissões que exercem e da quantidade de tempo que dedicam ao trabalho voluntário.

O voluntário da Associação Viva, por exemplo, doa a média de dez horas para as atividades em hospitais e quatro horas para outras entidades onde atua.

Ao longo de nossa trajetória, já ultrapassamos a marca de 2 milhões de pessoas beneficiadas por nossas atividades. Apenas no ano passado, nossos voluntários impactaram 223.745 pessoas, entre crianças, seus familiares e profissionais de saúde em 14.595 ações.

Valorizar e monetizar o trabalho voluntário são formas eficazes de enfrentar a visão assistencialista sobre o voluntariado que ainda hoje vigora no Brasil. O trabalho voluntário vai muito além dessa simplificação e deve ser valorizado exatamente pela excelência daquilo que é: uma forma de compartilhar saberes e competências em favor do bem comum. Nos países onde isso acontece, a qualidade de vida dos indivíduos é melhor avaliada e a cidadania é potencializada. 

É tempo de governo, indústrias, comércio, conselhos profissionais e sindicatos se reunirem em torno de um debate que permita tratar o assunto definitivamente de forma séria, podendo, inclusive, transformá-lo política pública.

Mais detalhes sobre esse tema você encontra no site da Associação Viva e Deixe Viver.

Valdir Cimino

Fundador da Associação Viva e Deixe Viver, integra a Rede Folha de Empreendedores Socioambientais

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