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Guilherme de Almeida Prado

Brasileiro não poupa, e a culpa é da nossa história

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A faxineira Sueli Medeiros tinha como gastos principais, na sua análise, aluguel e compras de mantimentos. Fumante, ela e marido gastavam cerca de R$ 4.000 anuais com cigarros.

Quando o dinheiro da conta corrente acabava, apelava para o cartão de crédito e o cheque especial, embora não tivesse a menor ideia sobre as porcentagens de juros e taxas cobradas. Costumava parcelar as compras e não comparava preços nem fazia pesquisa previamente.

Sueli tinha medo e vergonha de perguntar sobre taxas e condições de pagamento. “Eu não entendo de juros”, afirmava. Conheci Sueli em 2012, quando ela começou a trabalhar na Konkero. Conversa vai, conversa vem, começamos a falar sobre dinheiro.

Curioso notar que, no Brasil, costumamos falar sobre as coisas mais íntimas com pessoas que nem conhecemos. Estamos lá, na fila do ônibus, e já puxamos conversa e contamos a vida inteira a completos desconhecidos. Em oposição, o tema finanças é um verdadeiro tabu. Falar sobre dinheiro –e a nossa relação com ele– não é algo fácil.

Disposto a contrariar o senso comum, conversei sobre o tema e descobri que Sueli e o marido compraram uma TV e levaram junto um carnê de parcelamento com seguro de vida, de desemprego e garantia estendida. Orientei-a a pedir o cancelamento imediato, explicando as taxas que estavam pagando. Com o cancelamento dos seguros, eles economizaram R$ 400.

Sueli parou de fumar e, hoje, economiza R$ 2.000 por ano –e tem mais saúde. O acesso à informação financeira mudou, nas palavras dela, a própria vida. Ganhou confiança para perguntar, passou a pesquisar preços e esclarecer taxas antes de tomar a decisão de compra. Está pesquisando e fazendo contas para realizar o sonho da casa própria. E poupando. Infelizmente, hábito ainda raro entre os brasileiros.

Não chega a ser uma novidade que poucos brasileiros têm o hábito de poupar. Segundo pesquisa The Global Findex, conduzida pelo Banco Mundial em 2017, apenas 14% dos brasileiros pouparam no último ano, o que nos coloca na 74ª posição entre 140 países.

Existe uma forte correlação entre renda e percentual de pessoas que pouparam no último ano. Mas, mesmo assim, se pegarmos os países com renda per capita abaixo de US$ 12 mil (R$ 44,5 mil) – no Brasil a renda é US$ 9.821 (R$ 36.401,54)–, ainda assim o país ocuparia a 44ª posição.

Então, quais seriam as explicações para tal comportamento? A minha hipótese é que o modelo comportamental deriva de uma junção de fatores que passam, inclusive, pelo repertório histórico que temos. Sim, a história do Brasil foi determinante para moldar o hábito de não poupar. 

O histórico de inflação alta estimulou a população a comprar. O país passou dezenas de anos com inflação alta, influenciando diferentes gerações. Apesar da inflação ter sido controlada em 1994 –há 25 anos–, 70% da população brasileira atual tinha 15 anos ou mais quando a inflação foi controlada. Na prática, a maioria ainda se lembra de como era esse período e passa essa informação e comportamento para as gerações posteriores.

Ainda dentro do contexto histórico, houve o confisco da poupança no governo Collor. Apesar de ter devolvido o dinheiro, ficou a sensação de que quem consumia –e não tinha nada guardado– não foi prejudicado.

Um outro fator, mais ligado à afetividade do nosso povo, é a solidariedade entre famílias e amigos: quem poupa acaba tendo que ajudar quem não guarda dinheiro. E, se não ajudar, é considerado egoísta, mesquinho, muquirana.

Poupar não traz status social: a pessoa que poupa é vista como aquele que não aproveita a vida; uma pessoa sovina e desprovida de interesse pelas coisas boas da vida. E ninguém quer ser visto dessa forma, correto?

Mas engana-se quem pensa que os brasileiros estão divididos entre os que poupam e os que não têm esse hábito. O problema é muito mais complexo.

O estudo Segmentação em Inclusão Financeira no Brasil, produzido pela Plano CDE e pelo Centro de Estudos de Microfinanças e Inclusão Financeira da FGV, com apoio da J.P. Morgan Chase Foundation, identificou três tipos de comportamentos financeiros, ou seja, perfis de brasileiros das classes média e baixa, identificados como conservadores, planejados e desorganizados.

Entre as conclusões, 57% dos entrevistados possuem conta em banco, mas utilizam apenas uma vez por mês; 17% conseguiram poupar o equivalente a um mês de renda –entretanto, 39% guardam o dinheiro em casa. Ou seja, temos poupadores com pouca informação de como fazer o dinheiro render.

A frase que define os 33% de conservadores é: “Nada tenho, mas nada devo”. Os 71% dos conservadores não têm nenhuma relação com banco; as contas são pagas em lotéricas. Compram apenas o que precisam e evitam dívidas; acham que cartão (qualquer um) é problema.

“Deixo a vida me levar” é o lema dos desorganizados, que chegam a 27% dos brasileiros. Entre esse perfil, 30% dos entrevistados afirmam que fazem compras sem pensar na capacidade de pagar a dívida. Quando conseguem uma renda extra, 77% afirmam que pensam em comprar, não poupar; 49% dizem que não têm controle sobre os empréstimos. “Não sei explicar como não fazer dívida”, afirma uma das entrevistadas pelo Plano CDE.

“Planejo minhas conquistas” é a frase de 28% dos entrevistados, identificados no perfil planejados. Entre os entrevistados, chama a atenção o depoimento recorrente de terem desenvolvido esse hábito por verem os pais lidando com dinheiro de uma forma mais controlada. Desses, 58% conseguiram poupar algum dinheiro, no último ano.

Os mais jovens usam a tecnologia a seu favor: 25% controlam extratos por aplicativos e 19% pagam as contas pelo celular. Interessante que, diferentemente dos desorganizados, a renda extra é destinada a poupar; 72% dizem que guardariam dinheiro se tivessem um aumento na renda.

A má notícia é que metade dos planejadores guarda dinheiro em casa. Sabe aquela história de guardar dinheiro no colchão? Foi reeditada! Os pesquisadores encontraram poupadores que guardam no travesseiro. 

No país, a educação financeira é um desafio a ser enfrentado. O interesse por finanças é ditado por uma situação extrema, ou seja, somente quando o problema surge. Há um baixo compartilhamento de informações sobre o tema.

Por isso, fundei o negócio de impacto social Konkero, portal que se tornou referência em comparação de produtos financeiros e finanças pessoais com mais de 1,7 milhão de visitas por mês. A plataforma é totalmente gratuita e reúne, de maneira descomplicada, mais de duas mil páginas de conteúdo e dezenas de vídeos com dicas de finanças pessoais e explicações sobre produtos financeiros.

No site, os internautas têm acesso a comparativos de centenas de serviços financeiros, realizados por uma equipe de curadoria que procura formas de comparar de maneira fácil e intuitiva produtos e serviços financeiros dos maiores bancos, seguradoras, financeiras e administradoras de consórcio do país. Sempre com o objetivo de ajudar o brasileiro a fazer a melhor comparação antes de tomar a decisão de compra. 

Guilherme de Almeida Prado

Fundador da Konkero, portal que tem como missão transformar a vida financeira de brasileiros, e da Central da Catarata. É especialista em finanças pessoais e graduado e mestre em administração de empresas pela FGV (Fundação Getúlio Vargas)

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