Descrição de chapéu
Andrea Wolffenbüttel

O que o incêndio da Notre-Dame tem a dizer sobre o Brasil

Talvez o que falte no país não seja Cultura de Doação, mas Doação para a Cultura

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

As chamas que consumiram uma das mais preciosas catedrais da Europa não tiveram impacto apenas na bela Ile de la Cité, onde se encontra a construção medieval. Elas também provocaram lamentações, reflexões e mesmo discussões aqui no Brasil.

Se por um lado descobríamos que tragédias que destroem tesouros culturais não são exclusividade nossa, também entrávamos em contato com um ímpeto e uma mobilização pela recuperação do patrimônio que não havíamos visto por aqui.

E então vem o inevitável questionamento: por que não somos assim? Seguido de uma tempestade de respostas imediatas, quase todas com uma certa dose de razão.

O mais fácil é dizer simplesmente que no Brasil não há cultura de doação. Isso não é verdade. A Pesquisa Doação Brasil, feita pelo Idis (Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social), e muitas outras sobre o tema, já mostraram que cerca de metade da população brasileira costuma fazer doação, pelo menos uma vez ao ano.

Talvez o que falte não seja uma Cultura de Doação e sim uma Doação para a Cultura.

Porque quando temos desastres, como, por exemplo, o rompimento da barragem em Brumadinho, vemos uma grande iniciativa de doadores de todos os tipos, os que dão bens, o que dão recursos financeiros e o que doam seu tempo, trabalhando voluntariamente. Isso acontece porque as pessoas compreendem e se identificam com o sofrimento das vítimas.

Já no caso do incêndio do Museu Nacional, será que as pessoas entendiam a dimensão da perda? Será que se identificavam com aquele acervo e aquela história? Parece que não.

Outro elemento interessante a ser analisado é a atitude das famílias mais ricas da França, que imediatamente anunciaram doações muito volumosas. Esse comportamento certamente inspirou outros doadores a fazerem o mesmo, ainda que com valores bem menores. Mas essas pequenas doações conseguiram dobrar o dinheiro aportado pelas classes mais altas.

Será que se tivéssemos uma iniciativa semelhante dos milionários no Brasil, ela não teria conseguido também atrair doações para o Museu Nacional? Não podemos desprezar o poder do exemplo e da liderança.

Entretanto, também não podemos desprezar o fato de que a França construiu um ambiente propício à filantropia, baseado em generosos incentivos fiscais. Boa parte dos recursos doados pelas grandes fortunas será abatida de seus impostos.

Por fim, há sempre o clássico argumento que justifica a não doação: a desconfiança. Como vamos saber que o dinheiro chegará mesmo ao seu destino e será aplicado na restauração do museu? E esta pergunta não vem do nada, ela está respaldada por centenas de denúncias e escândalos de desvio de recursos.

É bem verdade que no caso do incêndio da Notre-Dame, as instituições envolvidas são duas das mais antigas e sólidas do mundo: a Igreja Católica e o Estado francês. Nem sempre as instituições implicadas são tão robustas como essas duas. Por isso, precisamos desenvolver instrumentos que nos permitam doar e confiar nas instituições também aqui no Brasil.

E no caso específico do incêndio do museu, o governo (Executivo e Legislativo) reagiram e criaram a Lei dos Fundos Patrimoniais exatamente para conceber um instrumento que desse segurança ao doador de que os recursos que ele entregou serão bem geridos e bem aplicados.

Se o Museu Nacional dispusesse de um fundo patrimonial filantrópico, teria sido muito, mas muito mais fácil fazer doações para sua recuperação. Aliás, caso ele tivesse esse fundo, o mais provável é que nunca chegasse ao ponto que chegou porque teria os recursos necessários para a manutenção do prédio e do acervo.

A nossa Lei dos Fundos Patrimoniais é fruto, entre outros, de sete anos de trabalho de advocacy do Idis e de parceiros, que contribuíram com apoio técnico, redigindo propostas de lei e recomendando melhorias, assim como fazendo articulações para que o processo avançasse no Congresso.

O resultado é uma lei com ampla abrangência de causas e que pressupõe uma governança clara e transparente. E que torcemos para que seja aplicada e consiga evitar novas perdas como a do Museu Nacional.

Andrea Wolffenbüttel

Consultora associada do Idis (Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social)

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.