Descrição de chapéu
Luciano Gurgel e Tatiana Schor

Amazônia sem pobreza e sem desmatamento: é possível?

A conservação desse legado precioso depende da eliminação da pobreza, do fortalecimento dos povos locais e da preservação de suas tradições

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Luciano Gurgel Tatiana Schor

Muhammad Yunus, fundador do Grameen Bank, banco pioneiro na concessão de microcrédito e criador dos negócios sociais, verificou que a maior parte do valor que era produzido pelos produtores locais em Bangladesh acabava nos bolsos de agiotas.

Estes, por sua vez, cobravam juros extorsivos de pessoas que lutavam em desespero pela sua sobrevivência e de seus entes mais próximos.

Ele entendeu que entregar crédito em condições justas, e também assistência técnica àqueles empreendedores explorados pelos oportunistas de plantão, daria a eles a chave para melhorar suas vidas.

A capacitação destes empreendedores conferiu a eles mais robustez nas suas estruturas de produção. Montaram-se redes logísticas e de processamento dos produtos, usando a solidariedade entre as pessoas como ferramenta poderosa na transformação de estruturas de exploração em estruturas de melhora das condições de vida de forma sustentável.

Essa é a história da criação do Grameen Bank. Banco dedicado a conceder crédito aos mais pobres dentre os pobres de uma sociedade empobrecida como a de Bangladesh.

Essa lógica possibilitou formas sustentáveis de saída da pobreza. Em 2006, o Grameen Bank e o professor Muhammad Yunus foram agraciados com o Prêmio Nobel da Paz.

E segue sendo escrita a história dos negócios sociais —empreendimentos que se utilizam das importantes ferramentas do universo dos negócios para resolver problemas sociais de forma sustentável e replicável ao longo do tempo.

Meliponicultura, a cultura dos produtos da abelha sem ferrão da Amazônia, no Alto do Solimões
Meliponicultura, a cultura dos produtos da abelha sem ferrão da Amazônia, no Alto do Solimões - Gislene Zilse

Voltando à realidade amazônica, o aviamento mencionado no artigo anterior, entre outras causas, gerou a crise social que, infelizmente, não tem o mesmo nível de projeção da crise ambiental. E o drama é que ambas não podem ser dissociadas.

Há dezenas de pesquisas acadêmicas demonstrando a correlação, desde os anos 2000, entre o desmatamento e os preços da soja e do boi. Cadeias produtivas possíveis, ainda que de baixo valor agregado, como a soja e o boi, são a alternativa econômica para as populações locais, que não veem alternativa senão desmatar a floresta.

Isso ocorre porque muito do valor gerado pelas iniciativas econômicas dos produtores locais da Amazônia acaba parando no bolso dos intermediários.

A cadeia de valor do pirarucu (Arapaima gigas) manejado por comunidades de unidades de conservação e de terras indígenas mencionado no artigo anterior é um bom exemplo de como a desigualdade nas relações de troca empobrece as populações locais: uma bolsa feita com couro de pirarucu pode ser vendida por R$ 5 mil em lojas do Sudeste. Enquanto isso, o produtor local recebe por volta de R$ 4 pelo quilo do pescado na região.

Fica claro que, assim como os agiotas de Bangladesh, os atravessadores e suas práticas de aviamento na Amazônia acabam capturando uma parte significativa, e não justa, do valor criado localmente.

Assim como Yunus ensinou com o exemplo de Bangladesh, é necessário criar acesso a condições justas de financiamento para a criação de estruturas produtivas eficientes do ponto de vista socioambiental na Amazônia.

É necessário aumentar o poder de barganha dos produtores locais por meio do fortalecimento das associações e de suas relações comerciais.

É necessário convidar as grandes redes varejistas, indústrias de cosméticos e farmacêutica, além das marcas de consumo de luxo, a oferecerem produtos de consumo consciente tão demandados pelos seus clientes, firmando contratos de compra de produtos responsáveis da Amazônia diretamente com as associações produtoras, valorizando, assim, os povos e o bioma Amazônico.

É necessário trazermos inteligência financeira para que os contratos de fornecimento de longo prazo lastreiem operações no mercado de capitais para levantar recursos junto a investidores dispostos a financiar estas rotas comerciais justas.

Nossa hipótese é que, desta forma, faremos fluir recursos para as localidades transformando a vida das pessoas e conservando o ecossistema.

Esses negócios sociais gerariam recursos não apenas para suas estruturas produtivas, mas também para criar equipamentos comunitários que endereçassem os diversos problemas sociais que estas localidades enfrentam.

Fazemos aqui um convite. Um convite para que governos, universidades, empresas, investidores, cientistas, consumidores e sociedade em geral se unam a este esforço de empreender a transformação da realidade amazônica por meio do protagonismo dos atores locais.

É isso que a Yunus Negócios Sociais faz não só no Brasil, como também em diversos países do mundo: usar o poder dos negócios como ferramenta preciosa para a erradicação de problemas sociais.

A Amazônia é um legado precioso e a sua conservação depende da eliminação da pobreza, do fortalecimento das suas populações locais e da preservação dos seus modos de vida tradicionais.

O Professor Yunus nos presenteou com um exemplo inspirador de que isto é possível.

Todos nós podemos, de alguma maneira, nos engajar neste grande projeto de transformação da Amazônia. Vamos começar.

Luciano Gurgel

Bacharel em economia pela Universidade de São Paulo (USP), foi diretor de investimentos da Yunus Negócios Sociais e é diretor-executivo da Artemisia

Tatiana Schor

Secretária Executiva de Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado do Amazonas. É professora do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Amazonas.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.