Três empreendedoras da periferia do Rio fazem intercâmbio em Londres

Brasileiras participaram do primeiro ciclo da Incubadora de Impacto Social

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São Paulo

"Hoje vejo que é viável um crescimento sustentável e impactante, não apenas no Brasil. O mundo tornou-se 'logo ali' depois dessa experiência." 

É o que conta a advogada e empreendedora social Ana Lúcia Barbosa, 51, fundadora da Visão do Bem, negócio social que torna acessível o exame de vista e a correção visual com óculos de grau de qualidade para pessoas em vulnerabilidade social.

O negócio também capacita e emprega mulheres de periferia, que empreendem por meio da revenda dos óculos de grau em suas comunidades. Em dois anos, o projeto já impactou mais de 4.300 pessoas. Quase 3.000 delas tiveram acesso a óculos pela primeira vez.

Ela e outras duas empreendedoras do Rio de Janeiro foram contempladas com uma viagem de intercâmbio a Londres, de 17 a 24 de novembro, com todas as despesas pagas pela parceria entre Asplande (Assessoria e Planejamento para o Desenvolvimento) e Social Starters, organização que promove programas para empreendedores sociais, por meio do programa Dice (Developing Inclusive and Creative Economies), do British Council, que fomenta economia criativa em países emergentes.

Assim como Ana Lúcia, as empreendedoras Ivi Félix e Clarisse Seixas também participaram do primeiro ciclo da Incubadora de Impacto Social, um dos desdobramentos do programa no Brasil, voltado para empreendedoras de comunidades e da periferia do Rio de Janeiro. 

Seixas é fundadora da Mimos, negócio social de cosméticos naturais e veganos, enquanto Félix criou o Mantiquira Mercado Local, negócio onde acontecem atividades educativas e são vendidos alimentos, bebidas e artigos artesanais.

Ao final do processo, o trio foi escolhido para o intercâmbio na capital inglesa, com o objetivo de oferecer a essas mulheres a oportunidade de compartilhar aprendizagens e boas práticas do empreendedorismo social feminino com as organizações e negócios sociais britânicos.

Ao comparar a realidade brasileira com a britânica, Ana Lúcia, destacou o fato de as empreendedoras inglesas serem mais valorizadas e preparadas. 

"As pessoas no Brasil encaram o empreendedorismo social como algo relacionado à caridade, e isso não é verdade. Aqui parece que você precisa escolher: ou ajuda ou ganha dinheiro."

A advogada aponta ainda outra diferença, nas razões que levam as mulheres a ser tornarem empreendedora aqui e lá. "Enquanto a maioria das brasileiras empreendem por necessidade de pagar as contas e alimentar sua família, as londrinas têm mais conhecimento, uma vez que a disciplina de empreendedorismo é comum às escolas e universidades britânicas", compara ela.

Em 2017, Ana Lúcia decidiu parar de reclamar da situação que alguns conhecidos seus passavam na fila do atendimento oftalmológico do SUS —esperavam durante meses— e fazer a diferença. Ao abrir o próprio negócio de impacto social, ela se deparou com dificuldades comuns a todos os empreendedores nacionais: alta carga tributária, sair da informalidade, contratar colaboradores e ter uma gestão empresarial eficaz com poucos recursos financeiros.

E o grau de dificuldade aumenta quando se é mulher, diz ela. Ana Lúcia cita três obstáculos ao empreendedorismo feminino no país. O preconceito (menos de 10% das empresas lideradas por mulheres recebem investimento externo), a dupla jornada (trabalho somado às tarefas de casa) e o medo de fracassar, segundo ela.

Em sete dias de viagem, as brasileiras turistaram pela capital inglesa, participaram de reuniões, apresentaram suas histórias na Universidade de Bournemouth, conheceram empresárias locais e participaram da Conferência sobre Empresas Sociais em Hackney, distrito londrino que se destaca no empreendedorismo de impacto social.

Ana Lúcia teve os horizontes ampliados após a viagem. Ela conta que percebeu a verdadeira importância das redes de relacionamentos, uma vez que é muito mais viável e vantajoso crescer em conjunto. 

"Esse foi o maior aprendizado que trouxe do intercâmbio: valorizar experiências e relacionamentos", afirma.

Jiselle Steele, mentora da Asplande que acompanhou as empreendedoras durante o intercâmbio, conta que, apesar de a Inglaterra ser um país mais rico e desenvolvido, ser empreendedora em Londres é enfrentar os mesmos desafios que existiriam no Brasil, e vice-versa.

"O empreendedorismo social é mais inclusivo, tem mais diversidade de pessoas, mas mesmo assim as mulheres lá [em Londres] e aqui [no Rio de Janeiro] enfrentam a falta de visibilidade do seu trabalho por causa das questões de gênero", afirma a inglesa, após uma temporada no Brasil.

Ela aponta também que empreendedoras brasileiras que vêm de grupos marginalizados sofrem ainda mais, pois além da falta de investimento em seus negócios, há a violência na periferia que as envolve. 

Daí a preocupação da incubadora de priorizar mulheres que vivem em comunidades e zonas suburbanas cariocas.

O empreendedorismo feminino é significativo no Brasil. Segundo pesquisa do Sebrae, 23,9 milhões de brasileiras empreendem em estágio inicial ou em negócio estabelecido. Quase metade dos MEI (microempreendedores individuais) existentes no país é formada por mulheres —48% ao todo. ​

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