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Celso Grecco

Empreendedores sociais não vão resolver os problemas do mundo

Quando um laboratório desenvolve uma vacina, não se espera que ele seja também o responsável por imunizar a população

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Celso Grecco

Foi em 2004 que nos encontramos pela primeira vez. Um ano antes, eu havia criado para a então Bovespa, hoje B3, um programa chamado Bolsa de Valores Sociais, que replicava o conceito dos mercados de capitais para criar um “mercado de capital social”. 

Pamela Hartigan dirigia a Schwab Foundation na Suíça e estava no Brasil para articular com a Folha a primeira edição do Prêmio Empreendedor Social, lançado no ano seguinte. Quem a conheceu vai guardar para sempre a imagem de uma das pessoas mais visionárias do setor.

A empatia foi imediata e mútua. Parecíamos dois malucos conversando. Eu, conduzindo como consultor para a bolsa de valores o programa recém-lançado, para o qual eu já tinha ideias de fazer evoluir para se tornar uma plataforma onde empreendedores de negócios sociais pudessem se conectar com investidores. Ela, me dizendo achar um absurdo que ainda não fosse assim no Brasil. 

Se hoje o tema é óbvio graças a tudo o que sabemos sobre os investimentos de impacto, 16 anos atrás não passava disso mesmo: uma conversa de malucos. No mínimo, de sonhadores.

Pois foi nessa conversa que concluímos, a essa altura creio que já em torno da segunda garrafa de vinho: empreendedores sociais não vão resolver os problemas do mundo. Pelo menos, não sozinhos.

Não falávamos da importância dos doadores ou do capital financeiro, viesse de onde fosse, para a continuidade dos trabalhos das organizações da sociedade civil. Nosso tema era a falta de visão dos governos em relação ao maior acúmulo de capital intelectual disponível que qualquer governante pode ter à mão para destravar o desenvolvimento socioambiental de qualquer país: os empreendedores sociais e suas organizações.

Empreendedores sociais não existem para resolver problemas do mundo. O papel que lhes cabe, é o de serem laboratórios para produzir e testar vacinas: contra a pobreza, contra a exclusão social, em favor da proteção ambiental e para a eliminação das travas do desenvolvimento humano em sociedade. Ao governo, cabe lançar mão dessas soluções e dar a elas escala.

Quando um laboratório desenvolve a vacina contra uma doença, não se espera que ele seja também o responsável por imunizar toda uma população. Comprovada a eficácia, é o governo e seu sistema de saúde que têm o papel de disponibiliza-la para todos.

Empreendedores sociais são incansáveis descobridores de soluções que testam até provarem sua eficácia. São verdadeiros laboratórios trabalhando silenciosamente, às vezes anonimamente, para encontrar as curas para nossas maiores mazelas sociais. Mas seu alcance é restrito à comunidade que atendem.

Pergunte a qualquer um deles qual é a sua maior ambição e você ouvirá, como resposta, que é poder ver a sua solução se tornando uma política pública. Não por vaidade, mas por já terem comprovado que conseguiram atuar na causa e não apenas na consequência dos nossos maiores desafios sociais e ambientais.

Mas sozinhos, sem que os governos os enxerguem e valorizem, empreendedores sociais seguirão sendo isso: laboratórios produzindo vacinas que, por falta de escala, ficarão restritas a apenas uma parcela dos que sofrem dos mesmos problemas.

Pamela Hartigan se foi deste planeta cedo demais, como às vezes acontece com as pessoas especiais que a vida faz cruzar nossos caminhos. Ela gostava de dizer que empreendedores sociais combinavam “a alma da Madre Tereza de Calcutá com o pragmatismo do Richard Branson”.

Talvez seja isso que falte aos nossos governos. Mais alma e mais pragmatismo. Um pouco mais de inteligência também não faria mal

Celso Grecco

Consultor em responsabilidade socioambiental, é fellow da Ashoka e da Senior Synergos. Autor do livro "A decisão de que o mundo precisa".

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