Com apenas dois celulares, uma rede de internet e um aplicativo que confecciona crachás, a ImageMagica colocou em prática, em poucas semanas, o projeto Conexões do Cuidar para amenizar a solidão de pacientes com Covid-19, isolados nos hospitais.
Acostumado a frequentar unidades hospitalares em razão do trabalho na ONG que criou há 14 anos, o fotógrafo André François, 53, percebeu os tensos semblantes dos profissionais da área de saúde com a chegada da pandemia. Faces já cobertas por equipamentos de segurança para evitar contaminação pelo desconhecido e letal coronavírus.
François finalizava um trabalho no qual registrou por 12 anos iniciativas positivas em 15 países. O projeto ganhou o nome de Ubuntu, palavra de origem africana que significa “eu sou porque nós somos”.
“As equipes dedicadas ao tratamento dos pacientes com Covid-19 não poderiam ficar de fora. Por isso voltei aos hospitais para registrar a rotina delas”, conta François.
O cenário se mostrou muito mais duro do que o empreendedor social já havia visto em suas andanças em zonas de guerra e atingidas por desastres naturais. O fotógrafo ficou impressionado com a solidão dos pacientes que não podiam ter contato com os familiares e mal identificavam os profissionais que cuidavam deles, todos cobertos por máscaras, óculos e toucas.
“Me deu uma tristeza imensa ver pessoas morrendo solitárias, sem poder se despedir, sem ouvir o quanto eram queridas”, afirma. “Entre os médicos e enfermeiros, o sentimento era o mesmo.”
Ao mesmo tempo, a ImageMagica sofria as consequências econômicas da crise sanitária. Os patrocinadores foram escasseando e projetos interrompidos por causa do distanciamento social.
A ideia do Conexões do Cuidar surgiu do desejo de fazer algo que pudesse minimizar o sofrimento dos pacientes e das famílias atingidas na pandemia, de humanizar o ambiente dos “covidários”, onde doentes e profissionais lutavam contra os efeitos mais graves do novo coronavírus.
“Por que não usar tecnologia para conectar pessoas?”, indagou o fotógrafo. Apesar de exigir poucos equipamentos, as videochamadas só poderiam acontecer com apoio presencial de dois voluntários. Mesmo tendo smartphones, boa parte dos pacientes graves, a maioria deles idosos, não têm planos de dados nem domínio sobre aplicativos.
O primeiro lugar a receber o Conexões do Cuidar foi o Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, interior de São Paulo.
Para garantir que todos os protocolos de segurança fossem seguidos à risca, o médico Ricardo Balsimelli deu consultoria à equipe, que recebeu apoio psicológico e treinamento. “Sabíamos dos riscos, mas estávamos protegidos. Ninguém foi contaminado nos 25 hospitais onde atuamos”, diz François.
Além de fazer a ponte entre doentes e familiares, o Conexões do Cuidar humanizou as relações entre profissionais da saúde e pacientes. “Quem está na linha de frente não mostra o rosto aos doentes por causa da paramentação de segurança. É difícil criar empatia.”
Resolveram fazer crachás que contassem aos pacientes um pouco mais sobre os profissionais. A ideia foi apresentada ao comitê de crise do Hospital das Clínicas de São Paulo. François chegou à reunião com um crachá no qual se apresenta como André, o fotógrafo fofo. “Logo que leram, comecei a ouvir as risadas.”
Era o que queria: usar o humor para criar conexão entre as equipes e quem está deitado no leito. Para fazer os 10 mil crachás humanizados, a ImageMagica usa um aplicativo próprio atualizado.
Os bons resultados das iniciativas do Conexões do Cuidar são sentidos em UTIs e enfermarias do país afora. Foram mais de 13 mil pessoas impactadas pelas videochamadas.
Para o professor Carlos Henrique Miranda, do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, o emocional influi diretamente na recuperação dos pacientes. “Após as videochamadas, eles ficam mais dispostos a colaborar com o tratamento.”
E para aqueles que partiram, diz François, puderam ter uma despedida menos solitária. Com os resultados do Conexões do Cuidar, o hospital tem hoje equipamentos e profissionais para ajudar pacientes a contatarem familiares.
O projeto deve continuar pós-pandemia. “Sempre existiram pacientes isolados em hospitais”, lembra o fotógrafo que constrói pontes por acreditar que “eu sou porque nós somos”.
Conexões do Cuidar
- 20.457 pessoas impactadas
- R$ 1,5 milhão em recursos mobilizados
- 20 hospitais beneficiados
- 1.242 videochamadas para pacientes
- 15 mil profissionais de saúde beneficiados com crachás humanizados
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