Descrição de chapéu Dias Melhores

'Quanto se respeita a vida, é preciso passar isso para o outro', diz agente na linha de frente da Covid-19

Vítima da doença e voluntário na campanha Com Saúde & Alegria sem Corona, premiada na categoria Ajuda Humanitária do Empreendedor Social do Ano, vira exemplo para ribeirinhos

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Annamaria Marchesini
Florianópolis

O agente comunitário de saúde Djalma Moreira Lima, o Djalma Suruacá, “inteirou” 57 anos em 23 de novembro com o corpo ainda abalado pelos efeitos da Covid-19.

Ele, a mulher e um filho pegaram a doença em junho. “Fiquei 3 dias paralítico. Sentia as pernas, mas não conseguia mexer”, lembra. “Tinha falta de ar, dor no peito, nas costas e na cabeça. Chegava a chorar.”

Ninguém da família chegou a ser internado. Djalma ainda está tratando as sequelas da doença. “Atacou a coluna e agora o médico mandou ir ao cardiologista”, diz. Mas a maior preocupação dele é que durante sua licença para tratar da saúde as 60 famílias que atende em Suruacá (PA), comunidade à beira do rio Tapajós, que lhe deu o apelido, estão “descobertas”.

“Meu medo era que a pandemia matasse muita gente”, diz ele. Djalma atuou na linha de frente com os voluntários da Campanha Com Saúde e Alegria Sem Corona, uma das 30 iniciativas de destaque no Empreendedor Social do Ano, premiada na categoria Ajuda Humanitária.

Capitaneada pela ONG Saúde & Alegria, a ação emergencial capitaneada pela ONG Saúde & Alegria, referência na região, atendeu os moradores de sua comunidade, a 72 km de Santarém, cidade onde nasceu e está morando com a mulher e o mais novo dos oito filhos.

O agente comunitário de saúde Djalma Moreira Lima, o Djalma Suruacá, foi vítima da Covid-19 e voluntário na Campanha Com Saúde & Alegria sem Corona
O agente comunitário de saúde Djalma Moreira Lima, o Djalma Suruacá, foi vítima da Covid-19 e voluntário na Campanha Com Saúde & Alegria sem Corona - Arquivo pessoal

Até adoecer, Djalma saía com o pessoal da ONG instalando placas de informação, distribuindo máscaras, kits de higiene, equipamentos, cestas básicas e orientando as pessoas.

“Comecei a trabalhar com o Saúde & Alegria no fim de 1986 e mesmo depois que me tornei agente comunitário da Secretaria de Saúde de Santarém continuei a manter contato com eles”, conta.

O trabalho do PSA é de alto nível, diz ele. “Lá a gente sempre aprende mais, ensina mais e ajuda mais as pessoas. Isso é muito importante para mim como pessoa e como agente de saúde.”

Com fala simples e bem humorado, o agente de saúde conta por telefone um pouco de sua vida e de como lutou junto aos voluntários da campanha para evitar que a Covid-19 se alastrasse em Suruacá e região.

Era caçador, agricultor e pescador antes de se tornar voluntário da ONG. “Comecei na saúde dos animais e em seis meses pulei para a saúde humana porque cuidar dos bichos não tinha emoção e na humana eu podia ajudar melhor o povo.”

No projeto, lembra, era o palhaço Formiga –outro de seus apelidos– e gostava de percorrer a comunidade ajudando as famílias a tratar e evitar as doenças.

“Nosso povo era carente de informação e as crianças tinham muita diarréia, coqueluche, pneumonia, sarampo. As coisas começaram a mudar com o Saúde e Alegria”, afirma.

Djalma dedicou pouco mais de 12 anos ao projeto. Em 1998, fez prova para agente comunitário na Secretaria de Saúde Municipal e passou.

Voltou a trabalhar em parceria mais próxima com a ONG na Campanha Com Saúde e Alegria sem Corona. “Trabalhamos todos juntos e com a ajuda do PSA conseguimos fazer a prevenção, oferecer os kits de higiene e pesca, o tratamento e as cestas básicas que, mesmo que não fossem suficientes para o mês todo, ajudavam muito.”

Ele ressalta que na comunidade não tem Unidade Básica de Saúde bem equipada. “Estamos pedindo um centro de saúde desde o ano 2000 e até agora nada.” Doentes mais grave são levados de bajara, barco de 5m com motor na rabeta, para tratamento em Alter do Chão, distante três horas de viagem.

“Agora temos ambulância, mas não é todo dia e ela serve os moradores do Arapiuns, do Tapajós e do Várzea. Mas minha grande alegria é que na minha comunidade não morre mais criança.”

Ele só deixou de sair com o pessoal do Saúde e Alegria para levar ajuda emergencial na pandemia, quando ficou doente. “Mas não parei de participar.”

A campanha levou informação para as populações indígenas, ribeirinhas e quilombolas de toda a região.

“Tinha muita gente que não dava importância à doença, não se cuidava”, recorda-se Djalma, para falar da importância da comunicação para chegar a todos os lugares por meio do programa “Alô Comunidade”, que o PSA criou, transmitido nas rádios Rural AM e Princesa FM.

“Eu já gravava no WhatsApp as orientações de prevenção, da nossa luta e da situação em Suruacá e área rural e mandava”, explica o agente de saúde.

Depois que pegou Covid, mesmo sem poder sair de casa, ele continuava participando do progrma, relatando como estava sentindo para alertar as pessoas a evitar a doença. “Quando uma pessoa respeita a vida e gosta de viver precisa passar isso pro outro”, repetia nas mensagens enviadas ao “Alô Comunidade”.

Djalma está chateado por ainda não ter condições de voltar ao trabalho. “Não consigo nem carregar a bicicleta. Estou conversando com minha mulher, meus filhos e Deus. Se me sentir bem volto pra ajudar a comunidade.”

Depende do que acontecer neste final de 2020. “Minha preocupação é que sem agente de saúde as 60 famílias que eu cuido ficam sem atendimento. Eu que acompanho a saúde delas. Se não estou lá, não tem quem faça isso por eles.”

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