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A moda agora é fazer a classe média doar para que bilionários também doem

A população brasileira já doa, e muito; elite tem que passar a doar também

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João Paulo Vergueiro

Diretor executivo da ABCR - Associação Brasileira de Captadores de Recursos e professor da Fecap - Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado.

Em 2020, a bilionária norte-americana Mackenzie Scott doou mais de R$ 30 bilhões sem pedir nada em troca. Ela definiu as causas que queria apoiar, pesquisou a história e a estrutura das ONGs e entrou em contato para realizar a doação.

No Brasil, não temos nenhuma referência de bilionários como Mackenzie Scott. Aliás, temos duas que se aproximam um pouco: Elie e Susy Horn, únicos brasileiros que assinaram o Giving Pledge, iniciativa liderada por Bill Gates, na qual bilionários se comprometem a doar pelo menos metade da sua fortuna.

Mas mesmo eles ainda são tímidos quando comparados com o desapego, a visão filantrópica e o comprometimento de Mackenzie Scott em gerar impacto social.

Na verdade, aqui no Brasil, ao invés de crescerem as doações das famílias mais ricas, está virando moda justamente o contrário: nossos bilionários passaram a pedir dinheiro para a classe média, para que então eles façam suas próprias doações.

O modelo não é novo, e é chamado de "matching", sem uma tradução boa para o português. Funciona dessa maneira: no "matching", para cada doação que você realizar, eu me comprometo a fazer outra no mesmo valor, dobrando o que a ONG vai receber –bem parecido com o que acontece com a previdência privada em muitas empresas.

De forma geral, é um bom modelo. Funciona para estimular campanhas de financiamento coletivo na comunidade, engajamento de funcionários em empresas, mobilização para uma causa comum etc. Mas está sendo desvirtuado no Brasil.

Um caso bastante recente, que viralizou, foi o do "matching" realizado pelo empresário Jorge Paulo Lemann para a organização Gerando Falcões. Lemann tem fortuna estimada em mais de R$ 100 bilhões e disse publicamente que doaria R$ 1 para cada real que as pessoas doassem, até chegar ao total de R$ 500 mil.

Em outras palavras: para a pessoa mais rica do Brasil doar dinheiro para uma ONG, ela estava pedindo que outras pessoas doassem antes.

Como atuo e acompanho o setor, sei que Jorge Paulo Lemann doa muito mais que os R$ 500 mil da campanha. O trabalho que a fundação que leva seu nome realiza é fantástico e de alto impacto e sua equipe é extremamente competente.

Mas para quem está de fora, apenas vendo a divulgação dessa campanha, a imagem que passa é a oposta: para que o maior bilionário do país possa doar uma pequena fração de sua fortuna, o cidadão comum tem que doar também.

Está errado isso. E, por mais que essa iniciativa pareça estar incentivando a doação (no final das contas, a arrecadação com a campanha foi de R$ 2 milhões), o resultado prático acaba sendo exatamente o contrário.

Agora uma nova campanha foi realizada, com outro bilionário. Ao invés de promoverem publicamente sua própria generosidade, com desprendimento e altruísmo, pedem a doação dos que têm bem menos do que eles.

Se nossa elite financeira quer incentivar os brasileiros a doar, tem que antes promover a sua própria doação e a de seus pares, chamando outros bilionários e bilionárias para que também doem, algo bastante incomum por aqui.

Temos que parar com essa história de querer ensinar o povo a doar. A população brasileira já doa, e muito. A elite tem que passar a doar também. E inspirar pela generosidade.

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