Dominar números não foi o único atributo que levou o matemático Fernando Chacon, 55, a ocupar a diretoria de marketing do Itaú por dez anos. Seu entusiasmo por tecnologia e comportamento humano embalou a construção de uma das marcas mais valiosas do Brasil.
Em 2019, Chacon deixou o banco e o título de CMO –“Chief Marketing Officer”. Também desligou-se da presidência da Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito (Abecs).
Tinha tudo calculado: “Estatisticamente falando, quem para até os 60 anos tem vantagem, mas vive melhor quem sai aos 55.”
Com dois filhos jovens e a memória da perda do pai aos 9 anos, a premissa de Chacon era ter um convívio intenso com sua família. O stent no coração, aos 50, ajudou a fechar a conta. “Minha esposa perguntou: vai até onde nesse ritmo?”
O executivo que ajudou a lapidar o propósito do Itaú Unibanco foi em busca de sua própria missão. “O trabalho era meio, não um fim", diz. Levou consigo a matéria-prima: reputação. “Ter sido executivo por 13 anos traz uma imagem ilibada que abre negócios.”
Em uma viagem a Portugal, pouco antes da pandemia, Chacon se encantou com uma metodologia de ensino de tecnologia para crianças a partir dos 7 anos. No tablet, a interface que lembra o jogo Minecraft oferece uma trilha de aprendizado que inclui melhora do raciocínio lógico, resolução de problemas e atenção aos desafios do planeta.
A plataforma Ubbu tem mais de um milhão de licenças adquiridas em países como Portugal, Estados Unidos, África do Sul, Espanha e Noruega. E, agora, o Brasil.
“Propusemos uma parceria de exclusividade no país e o objetivo é rentabilizar”, diz Chacon, que investe com mais quatro sócios. Entre eles, Alessandro Goulart, dono da faculdade de tecnologia Bandtec, e o músico Carlinhos Brown.
Goulart lidera com o executivo as decisões rotineiras do negócio. A Brown coube o desenvolvimento de elementos visuais e sonoros da startup Tech4Kids.
“Ele deu uma tropicalizada”, afirma Chacon, em referência à narração dos vídeos e aos personagens criados pelo artista, que adaptou o modelo português para uma versão brasileira, com diversidade de cores e texturas.
O modelo foi testado com 3.000 crianças do Ensino Fundamental I em 20 escolas públicas de Salvador (BA).
Quem fez a ponte foi o ex-prefeito ACM Neto (DEM), que incentivou o projeto piloto pela confiança em Chacon. “Aproveitamos a boa relação com o poder público para acelerar contatos”, afirma o executivo.
São 30 horas de aulas por ano letivo, cabendo ao professor decidir o cronograma. O diretor pedagógico da Tech4Kids, Antonio Carlos Carneiro, ex-Instituto Alana, diz que, em teste com professores de várias disciplinas, houve adesão ao modelo. “Todos conseguiram conduzir as atividades e a ideia é que plataforma converse com outras matérias.”
Na Escola Municipal Senhora Santana, a experiência foi bem-sucedida. “Atrelar tecnologia, alfabetização e aprendizagem enriquece o desenvolvimento e conhecimento em sala de aula”, diz Adriana Serafim, diretora da unidade.
Para outra gestora, a plataforma trouxe impactos relevantes, apesar do breve piloto. “Observamos que reduziu a infrequência e conseguimos a participação e interação das nossas crianças, inclusive autistas”, afirma Rosane Miranda, da Escola Municipal Cônego Emilio Lobo.
O fechamento das escolas, em 2020, com a pandemia, atrasou o calendário da Tech4Kids.
O teste em sala de aula foi substituído por treinamento do corpo docente e de gestores, uma vez que o uso da plataforma pelos alunos em casa não prosperou. “O modelo híbrido não foi possível porque a maior parte dos alunos não tem acesso de qualidade à internet, seria desigual”, explica Carneiro.
A chegada aos trópicos exigiu outras adaptações, como uma versão offline. E em algumas escolas, sem tomadas suficientes, foi desenvolvido um equipamento para carregar a bateria dos tablets. “A solução foi um carrinho com várias réguas em que os aparelhos são espetados”, conta Chacon.
Para ele, a pandemia evidenciou gargalos tecnológicos nas escolas, que devem estar mais preparadas para o digital nos próximos anos. “Todas as cidades estão fazendo investimentos em tecnologia.”
Com custo mensal em torno de US$ 20 por aluno aos cofres públicos, a plataforma está sendo oferecida a prefeituras, que ainda precisam disponibilizar tablets e equipamentos para professores, como computador e projetor de vídeo.
A expectativa da Tech4Kids é de ganhar escala na educação pública e reduzir o valor para US$ 10 por estudante. “Queremos transformar em política pública e garantir que toda criança de 7 a 14 anos tenha acesso à programação.”
Para Fernando Chacon, o letramento digital durante a alfabetização, colocando crianças como criadoras e não meras usuárias de tecnologia, é uma maneira de prepará-las para escolherem carreiras de exatas. “Boa parte dos que chegam ao ensino superior optam por cursos tradicionais e menos ligados à tecnologia”, afirma.
No Itaú, o executivo encontrava barreiras para preencher ocupações que exigiam conhecimento em programação, por exemplo. “Íamos às melhores universidades e não encontrávamos gente para ocupar nossas vagas.”
Ele lamenta que a educação não esteja no centro do debate público. “Não sei se em algum momento da minha vida a educação foi discussão prioritária no Brasil”, afirma.
Com metade da agenda ocupada pela Tech4Kids, Chacon ainda se dedica a conselhos de organizações, à uma oficina mecânica (“sonho de criança”) e uma consultoria. “Tenho intenção de ajudar a CBF [Confederação Brasileira de Futebol] a construir estratégias.”
E sobra tempo para a família. “Estou com 55 anos, cheio de gás, mas quero destinar tempo limitado a esses projetos. Estou conseguindo e feliz com isso.”
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