Celso Athayde, 58, é o brasileiro escolhido como Empreendedor Social do Ano pela Fundação Schwab para integrar a comunidade de inovadores sociais ligada ao Fórum Econômico Mundial.
Com trajetória que mescla vida na rua, hip hop, literatura, cinema e a maior organização que atua em favelas no país, ele leva sua experiência para a rede global de empreendedorismo social.
Fundador da Cufa (Central Única das Favelas) e CEO da Favela Holding, Athayde foi selecionado entre os líderes das 30 iniciativas finalistas do Prêmio Empreendedor Social em Resposta à Covid-19 no Brasil, realizado pela Folha em parceria com a Schwab, em 2020.
À frente do projeto Mães da Favela, mitigou os efeitos da crise sanitária, social e econômica em 5.000 comunidades brasileiras. “A favela não usa essa nomenclatura de empreendedor, a gente se vira”, diz Athayde, que se autodenomina executivo social.
Celso Athayde é o 28º brasileiro a integrar o seleto rol internacional e o primeiro empreendedor social negro do país a ser reconhecido pela Schwab. Em 2020, Adriana Barbosa, vencedora do Troféu Grão de 2019, foi a primeira negra a figurar entre os brasileiros que fazem parte da Rede Schwab, indicada pela Folha como uma das premiações do maior concurso de empreendedorismo social da América Latina.
Entre 21 e 23 de setembro, Athayde participou da Cúpula de Desenvolvimento Sustentável do Fórum Econômico Mundial, realizada virtualmente. Em janeiro de 2022, ele e os demais novos membros da Schwab serão anunciados formalmente na Reunião Anual do Fórum Econômico Mundial, na Suíça.
Para o garoto que nasceu na Favela do Sapo, no Rio de Janeiro, chegar a Davos, na Suíça, é simbólico. A cada passo que avança, diz levar a comunidade consigo. “Minha agenda é democratizar tudo o que consegui, meu propósito é coletivo.”
A trilha como empreendedor ele diz ter iniciado aos 6 anos, quando, com a mãe, Marina, que sofria com o alcoolismo, e o irmão mais velho, Cesar, foi abraçado pelas ruas e pelo tráfico. “Eu tinha que me virar, saber pedir, vender, roubar, era o que eu sabia fazer."
A infância de Athayde foi forjada na miséria. Morou em favelas, abrigos públicos e na rua, embaixo do viaduto Madureira. Foi pedinte, sentiu fome e medo de não chegar vivo aos 18 anos. O alívio temporário era trazido pela cola.
“Eu nunca usei cocaína ou crack, mas cheirei muita cola. E a cola é uma coisa doida para uma criança, porque por 16 minutos ela te dá êxtase, faz esquecer a dor na barriga sem comida, te coloca num transe”, relembra.
“E sempre levei isso para a vida, que toda emoção boa só durava 16 minutos. E é nesse transe que a maioria dos meninos morre e eu também quase morri.”
Athayde foi camelô, engraxate e vendedor de bala em trem. “Apostava que seria o camelô do ano e nunca ganhava”, conta. Trabalhou em bocas de fumo e em rinhas de gente. Chegou a ser soldado de Rogério Lengruber (1956-1992), o “Bagulhão”, então líder da Falange Vermelha, facção criminosa que nasceu no Rio de Janeiro.
“Aprendi com ele a escutar Caetano Veloso”, diz Athayde em referência ao traficante. “Ele dizia que a ditadura considerava o músico subversivo, revolucionário, assim como nós nos sentíamos em relação ao sistema.”
Foi com o apoio de um comerciante que ele viu que a vida poderia ser mais do que a rua oferecia. “Seu Zeca foi quem me ensinou o que é família, a comer de garfo e faca, a andar de avião.”
Athayde aproximou-se do hip hop e passou a trabalhar com artistas da cena. Foi produtor musical do rapper MV Bill, dos Racionais MCs e ajudou Konrad Dantas, o KondZilla, a descobrir sua vocação.
Em 1999, uniu-se a MV Bill para fundar a Cufa, com desejo de buscar espaços para expressar as atitudes do movimento. “Eu queria democratizar a riqueza, não ficar cantando a pobreza de forma romantizada.”
Hoje a organização está nas favelas do Brasil todo e mais 17 países. Em 2020, na companhia de Preto Zezé, Nega Gizza, Dinorá Rodrigues e Marcivan Menezes, mobilizou mais de R$ 600 milhões em recursos para comunidades vulneráveis.
Em 2015, criou a Favela Holding, que abriga 23 empresas, emprega 40 mil pessoas e atua em países como Guiné, Camarões e Etiópia.
“Posso dizer que é a primeira holding social do mundo. Não acredito em negócio social que ganha e reinveste uma parte; a favela não quer ser catequizada e ver os lucros irem para o asfalto.”
Sem ter cursado ensino superior, o executivo já palestrou nas universidades Harvard, Columbia, MIT e até na ONU. A potência do trabalho, diz Athayde, está no fato de ter 400 sócios em favelas do mundo todo, com a Favela Holding.
Entre as empresas do conglomerado estão Favela Vai Voando, com 400 agências de viagem, Comunidade Door, que negocia outdoor em 3.000 cidades, o instituto de pesquisa DataFavela e a FavelaLog, que emprega egressos do sistema penitenciário, de todas as facções.
“Negros produzem e consomem R$ 3 trilhões e respondem por 40% da economia. A gente trata o favelado como sócio, com ganhos reais a partir de seu trabalho. Tem jovem que chega a ganhar R$ 22 mil por mês.”
O executivo social diz que antigos códigos sociais começam a cair. “Quando o favelado de Paraisópolis ia ao Shopping Iguatemi, ia com sua melhor roupa. Chegava lá e via playboy de chinelo e bermuda. O favelado achava que podia ser preso por fazer check-in no aeroporto, que não podia andar de avião.”
Autor de sete livros —entre eles “Cabeça de Porco” (2005, com MV Bill e Luiz Eduardo Soares), “Falcão: Meninos do Tráfico” (2006), “Falcão: Mulheres e o Tráfico” (2007) e “Um País Chamado Favela” (2014, com Renato Meirelles)—, Athayde também tem mão boa para o esporte.
Exemplo é a Taça das Favelas, torneio de futebol em comunidades que revelou, por exemplo, Patrick de Paula, hoje atleta do Palmeiras. “A taça é para dar oportunidade a esses jovens. Nem todos vão virar Neymar, mas terão a chance de tentar.”
Seja no esporte, seja no mundo dos negócios, ele enfrenta um inimigo secular: o racismo. “Eu jogo golfe. Mas onde jogo sou o único negro. Isso não é normal, esses espaços deveriam ter a diversidade da sociedade. E é visível quando eu chego a uma reunião, com uma empresa, e levo meus sócios; o pessoal se assusta, pensa bobeira.”
A melhor forma de combater o racismo, afirma ele, é democratizando os recursos financeiros. Sobre política, diz que só envolve no dia que tiver um partido das favelas, já que “tudo que existe são partidos enquadrando negros”. “Sou cortejado sempre pela política, cooptado nunca, meu lugar é construindo pontes.”
Como integrante da Fundação Schwab, Athayde espera levar a Davos uma “agenda do acesso à felicidade”, que coloque a favela como potência e que todas as crianças possam ter a chance de viver bem muito além dos 18 anos.
“Quando apenas uma parte da sociedade tem acesso à felicidade, você constrói o caos. Não tenho a pretensão de acabar com a pobreza, nem na minha rua consigo isso, mas criei uma tecnologia social que dá oportunidades.”
De olho nisso, ele prepara para novembro o lançamento do Favela Money, primeira empresa de grande porte de venda e meio de pagamento online das comunidades.
E, ainda que tenha sido reconhecido por pelo menos 70 prêmios no Brasil, Celso Athayde é preciso em apontar qual é o mais significativo: a placa e o busto na praça da Favela do Sapo, batizada com seu nome.
“A Praça Celso Athayde é o maior reconhecimento porque eu até posso enganar o asfalto, mas ninguém engana a favela.”
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