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A volta da fome no sertão

Só quem vivenciou períodos dramáticos de fome tem dimensão do sofrimento de grande parte dos brasileiros

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José Dias

Formado em ciências econômicas, é coordenador e captador de recursos do Centro de Educação Popular e Formação Social (Cepfs). É empreendedor social da Ashoka e da Rede Folha de Empreendedores Socioambientais.

Só quem vivenciou períodos dramáticos de fome no sertão pode ter a dimensão do sofrimento que passa grande parte da população brasileira. No ano de 1970, ainda criança, no sertão da Paraíba, pude experimentar o que é ter fome.

Saía com minha irmã mais nova até os pés de umbu para comer as folhas, pois já não havia mais frutos.

Lembro que ia com meu pai à feira. Ele era doente e não podia trabalhar. O dinheiro para a compra era pouco, fruto da cooperação dos meus irmãos mais velhos, que trabalhavam.

casa em região seca, com carro de boi passando na frente, céu azul
Casa de farinha, em Teixeira, na Paraíba, fortalecida pela agricultura familiar com apoio do CEPFS - Renato Stockler/Na Lata

Ele tinha o hábito de experimentar farinha seca, de mandioca, que se vendia a granel em caixotes no mercado central de Teixeira. Pegava um punhado com a mão e levava até a boca.

E eu o acompanhava porque tinha fome. É algo que ficou marcado na minha vida.

Naquela época, praticamente não se conseguia comprar proteínas para compor a dieta alimentar e nutricional. Nas sextas-feiras, véspera da feira livre, íamos ao matadouro pedir sangue de boi, algo que não era comercializado, para cozinhar e servir de mistura.

Esse tempo passou, graças à luta de muitos e muitas por melhores condições de vida. Graças também à sensibilidade de governantes ao apelo dos mais fragilizados.

Na década de 1990, atuando no Centro de Educação Popular e Formação Social (CEPFS) —organização social com mais de 35 anos de ação no semiárido da Paraíba— presenciei saques a feiras livres e a supermercados.

Também recordo das "frentes de emergências", maneira utilizada pelos governantes de combater a seca. Vieram políticas públicas de convivência com as adversidades do clima no semiárido.

Com a ação institucional do CEPFS, construiu-se reservatórios descentralizados de captação e armazenamento de água de chuva para consumo humano e para produção de alimentos saudáveis, a partir da parceria com governos mais sensíveis à causa dos camponeses.

Hoje, infelizmente, vejo novamente essas cenas: pessoas que se arriscam em filas em busca de ossos ou à procura de restos de alimentos no lixo. Vejo agricultores passando fome. A que estado de fome chegamos? E até aonde vamos? Precisamos reagir.

A crise sanitária, social e econômica levou grande parte dos brasileiros a uma maior vulnerabilidade social, o conhecido estado de miséria.

O agravamento da fome no país tem origem na pandemia, mas também no aprofundamento do processo inflacionário e no desgoverno, que se reflete na ausência de políticas públicas eficazes de distribuição de renda, principalmente, para camadas mais frágeis da população.

Lanço um apelo solidário para nossa campanha de arrecadação de alimentos e recursos para cestas básicas. Vamos amenizar a situação daqueles que estão em estado de fome. Faça sua doação. Acesse cepfs.org.br/abrace-o-semiarido/ e contribua como puder.

Alimentos para agricultores e agricultoras que têm fome
Centro de Educação Popular e Formação Social – CEPFS
Pix 24226128000136
Banco do Brasil
Agência 1156-8
Conta corrente 13015-X
CNPJ 24.226.128-36
cepfs.org.br

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